terça-feira, 31 de julho de 2012

Nota de Aula III


NOTA DE AULA III
O PERÍODO SISTEMÁTICO

Introdução

            O segundo período da história do pensamento grego é o chamado período sistemático. Com efeito, nesse período realiza-se a sua grande e lógica sistematização, culminando em Aristóteles, através de Sócrates e Platão, que fixam o conceito de ciência e de inteligível, a através também da precedente crise cética da sofística. O interesse dos filósofos gira não em torno da natureza, mas em todo do homem e do espírito; da metafísica passa-se à gnosiologia e à moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de antropológico, pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior.
            Esse período esplêndido do pensamento grego – depois do qual começa a decadência – teve duração bastante curta. Abraça, substancialmente, o século IV a.C., e compreende um número relativamente pequeno de grandes pensadores: os sofistas e Sócrates, daí derivando as chamadas escolas socráticas menores, sendo principais a cínica e a cirenaica, precursoras do estoicismo e do epicurismo do período seguinte; Platão e Aristóteles, deles procedendo a Academia e o Liceu, que sobreviverão também no período seguinte e além, ainda, especialmente a Academia por motivos éticos e religiosos, e em seus desenvolvimentos neopolatônicos em especial – apesar de o aristotelismo ter superado logicamente o platonismo.

A sofísitica
Após o surgimento da democracia na Grécia antiga, vários transformações ocorreram na sociedade, exigindo novas formas de se relacionar. A democracia era o sistema de governo que pressupunha a escolha periódica de executores e elaboradores das leis. E para isso, não havia nenhum critério.
Neste período, em que já estão avançadas as questões cosmológicas, a busca pelo ser das coisas deixa de ser o foco principal das questões filosóficas, que agora se ocupa com o homem e suas potencialidades. Era preciso saber falar para fazer valer seus interesses nas assembleias. Surgem, então, os famosos oradores denominados sofistas, palavra que significa sábio em grego.
Esses homens, portadores de uma eloquência incomum, propunham ensinar qualquer coisa aos cidadãos que almejassem os cargos públicos ou simplesmente que se defenderiam em um caso litigioso. No entanto, suas técnicas nada mais eram do que ensinar a persuadir convencendo seu interlocutor em um debate, seja pela emoção, seja pela passividade deste.
Ardilosos oradores, os sofistas fascinavam àqueles que ouviam suas palestras, ensinando como transformar um argumento fraco em um argumento forte e vice-versa. Para eles, fácil era convencer conforme seus interesses, por isso conseguiam provar que uma coisa ora era branca, ora preta. O importante era convencer a qualquer custo. Mediante salários (ou seja, cobravam pelo ensino), eles ensinavam a quem pudesse pagar, sobre qualquer coisa, dizendo serem portadores de um saber universal. Mas na prática, ensinavam como refutar o seu adversário, não se preocupando com a relação que as palavras tinham com as coisas, articulando-as segundo as necessidades do debate para convencer e derrotar seu oponente.
São famosos e numerosos os sofistas que atuaram na Grécia antiga, em especial em Atenas, onde a cultura floresceu com mais evidência. Híppias, Pródico, Antístenes, Trasímaco são apenas alguns exemplos históricos destes que inventaram um certo modo de viver numa política que pressupunha a isonomia (leis iguais para todos os cidadãos). No entanto, podemos destacar especialmente dois dos maiores sofistas de todos os tempos: Górgias e Protágoras.
Protágoras, nascido em Abderas pelo ano 480 a.C., é conhecido como o primeiro sofista. Sua fama se estendia por todas as colônias e era um homem culto e bem sucedido. Aliás, a estima do público, a vaidade e o reconhecimento era algo de que todos os sofistas se valiam, pois para eles o que importa é o momento e jamais o que se tem depois de morto. Questões espirituais eram descartadas, gerando algumas acusações de impiedade, das quais o próprio Protágoras conseguiu escapar.
Este eminente orador vivia uma forma de absoluto subjetivismo relativista. Sua máxima o homem é a medida de todas as coisas ilustra bem o modo de pensar das diferentes pessoas. Isto quer dizer que cada pessoa, pensa, deseja e busca algo para si, de tal forma única que impossibilita que exista uma verdade absoluta.
A verdade, segundo Protágoras, depende de cada um, depende de como cada coisa aparece para cada um em seu juízo. O que pode ser verdade para um, pode não o ser para outro. Com esse relativismo moral, ele rejeita toda verdade universal. Se algo te parece bom, faça. Se isso traz benefício a você e prejuízo aos outros, faça assim mesmo.
Com isso, Protágoras também desacreditava dos deuses. Seu pragmatismo imediatista afirmava que se você nada pode saber dos deuses, eles não servem para nada e, assim, você pode ser indiferente a eles. Esse foi um dos motivos pelos quais ele foi acusado de impiedade.
Outro ilustre sofista e não menos importante foi Górgias, nascido em Leôncio, na Sicília (484-375 a.C.). Descartando qualquer noção de moral ou virtude, ele determinou a persuasão como algo essencial ao homem. Segundo ele, o domínio dessa técnica permite ao homem conhecer todas as coisas e, com isso, ser feliz.
Górgias redigiu um tratado sobre o Não Ser, em resposta ao filósofo Parmênides, em que consta o resumo de seu modo niilista de pensar. Para ele, nada existe de real; e se nada existe, o homem não pode conhecer verdadeiramente nada; e mesmo que algo exista e possa a ser conhecido, seria impossível comunicar aos outros este conhecimento.
Desse modo, Górgias acentua o seu ceticismo, evidenciando a impossibilidade de um conhecimento definitivo e propiciando um ambiente em que o mundo só tem o valor daquilo que o homem confere, consciente de sua efemeridade, ou seja, que o homem é um ser passageiro e que age apenas para satisfazer seus interesses pessoais.


Sócrates

            Sócrates nasceu em Atenas, em 469 a.C., quando a cidade já tinha alcançado o máximo de seu esplendor artístico e o vértice de seu poderio militar e econômico. Seu pai, Sofronisco, era escultor, e sua mãe, Fenareta, era parteira. Dotado de grande resistência física, não se abatia nem com o trabalho, nem com as dificuldades. Andava descalço tanto no inverno, quanto no verão e se vestia do mesmo modo em todas as estações do ano. Era moderado no comer e no beber.
            Começou o estudo da filosofia ainda jovem, entusiasmando-se por Anaxágoras. O acontecimento decisivo de sua vida deu-se quando o oráculo de Delfos revelou a um seu amigo que nenhum homem era mais sábio do que ele. Procurou interpretar o significado do oráculo e concluiu que ele era o mais sábio porque tinha consciência de sua própria ignorância.
            O oráculo colocou Sócrates no caminho de sua própria vocação: ensinar aos homens a verdade. Casou-se com Xantipa e fez parte de várias campanhas militares, demonstrando sempre grande coragem e heroísmo. Em 400 a.C. foi acusado de impiedade e de corrupção da juventude. Os acusadores pediram a pena de morte, esperando que Sócrates se salvasse fugindo para o exílio antes da instauração do processo e serenamente fez sua própria defesa. Foi condenado à morte. Podendo propor uma pena alternativa, sugeriu uma pequena importância em dinheiro. Irritado, o tribunal confirmou a sentença de morte, que o próprio Sócrates executou, bebendo sicuta.

O problema socrático

            O problema socrático consiste em saber qual foi o ensinamento filosófico de Sócrates, que não nos deixou nenhum escrito. Seu pensamento só pode ser conhecido através de outros autores que dele falaram, dentre os quais Xenofonte, Platão e Aristóteles.
            Isto nos leva a crer que Sócrates a todos encantou, haja visto ter Platão se referido a Sócrates como “o mestre que tinha encantado a todos os contemporâneos”.

A missão de Sócrates

            A missão para a qual Sócrates se sentiu chamado pelo oráculo de Delfos foi incitar os homens a se preocuparem antes de tudo com os interesses da própria alma, procurando adquirir sabedoria e virtude. Estimulado pelo impulso divino, Sócrates propôs-se livrar seus concidadãos da influência nefasta dos sofistas que punham em dúvida o conhecimento de um a verdade suprema e de uma lei moral absoluta, e estimulá-los à procura da verdade e da virtude, dando testemunho, com sua vida e sua morte, desses valores eternos.

O método socrático: a ironia e a maiêutica

            O método preferido de Sócrates é o da ironia. Entre os gregos, a ironia não era uma forma literária, mas uma atitude de espírito considerada detestável.
            A ironia é uma espécie de simulação, que em Sócrates tem a finalidade de por a descoberto a verdade. Atacando a vaidade, as reputações enraizadas e os cânones oficiais, a ironia socrática tem muitas vezes uma aparência negativa e revolucionária; parece ameaçar as opiniões correntes e os valores consagrados; é cheia de irreverência e se comprar em desprezar o que a sociedade preza.
            Mas, a ironia socrática não tem a finalidade de desprezar os valores mais altos, e, sim, de provar sua autenticidade. Quando se finge de ignorante, tem em mira discernir as aptidões; é um método de análise crítica, mas, sobretudo, um método pedagógico.
            Com suas perguntas, Sócrates deixa embaraçado e perplexo aquele que está seguro de si mesmo, fá-lo ver novos problemas, desperta a curiosidade e estimula-o a refletir. A sua arte educativa pode ser comparada à de sua mãe, que era parteira, porque ele e como o médico que ajuda nos partos do espírito. Por causa deste aspecto, o método de Sócrates é chamado de maiêutica.
            Por razões de método (e não por incapacidade de Sócrates), seus diálogos levantam uma questão, mas não dão a solução. Servem para por o interrogado no caminho da solução para que ele mesmo a encontre. Solução difícil porque, tratando-se de problemas morais, exige muitas vezes uma mudança de mentalidade.
           
Assistamos ao vídeo abaixo

Sócrates – Breve vida e obra


Sócrates e os sofistas

            Sócrates foi contemporâneo dos sofistas e o mais enérgico dos seus adversários. O embate de Sócrates com os sofistas permite-nos extrair a síntese do pensamento socrático e deduzir a grandeza do filósofo.
            As principais divergências podem ser abaixo elencadas:
·         Os sofistas buscavam o sucesso e ensinam como consegui-lo. Sócrates buscava a verdade e incitava seus discípulos a descobri-la;
·         Segundo os sofistas, para se ter sucesso é necessário fazer carreira. Segundo Sócrates, para se chegar à verdade, é necessário desapegar-se das riquezas, das honras, dos prazeres, reentrar no próprio espírito, analisar sinceramente a própria alma, “conhecer-se a si mesmo”, reconhecer a própria ignorância;
·         Os sofistas se gabavam de saberem tudo e de ensinarem a todos. Sócrates tem a convicção de quem ninguém pode ser mestre dos outros. Ele não é mestre, mas obstetra (maieuta); não ensina a verdade, mas ajuda aos discípulos a descobri-la neles mesmos. Não leciona aos discípulos, mas conversa, discute, guia-os em suas decisões, orienta-os para a descoberta da verdade;
·         Segundo os sofistas, aprender é coisa facílima. Afirmam, por isso, que por um preço barato podem garantir aos discípulos o conhecimento da retórica e da arte de governar. Segundo Sócrates, aprender não é coisa fácil. Muitos diálogos terminam sem conclusão, sem uma definição da verdade, da bondade, da unidade, da beleza, da justiça, sem um desenvolvimento completo do tema proposto. Para Sócrates, é somente lenta e progressivamente que se chega ao conhecimento da verdade, esclarecendo as próprias ideias e definindo as questões sempre com mais precisão.
·         Para os sofistas, o valor de qualquer conhecimento e de qualquer lei moral é relativo, subjetivo. Para Sócrates, existem conhecimentos e leis morais de valor absoluto, objetivo e, portanto, universal.
Ensinamentos filosóficos
            Sócrates, como os sofistas, mantém-se no campo crítico-antropológico, não se interessando pelos princípios supremos do universo, mas, sim, pelo valor do conhecimento humano. Seus principais ensinamentos situam-se nos campos da psicologia, da epistemologia e da moral.
            Na psicologia, a doutrina fundamental gira em torno da imortalidade da alma. Para nosso filósofo, a alma é claramente superior ao corpo e encontra-se nele como numa prisão. A morte libera a alma desta prisão e lha abre a porta de uma vida melhor. Deve-se, portanto, cuidar da alma e não temer a morte.
            A respeito do conhecimento, Sócrates faz uma distinção entre opinião e verdade. O conhecimento sensível por si só não nos pode fazer chegar ao conhecimento da verdade, somente a opiniões mais ou menos sólidas. Para Sócrates, além do conhecimento dos sentidos, existe outro, o conhecimento intelectual, ou conceitual. Este vai além das aparências sensíveis, porque extrai das coisas a sua verdadeira natureza, formando na mente uma noção, um conceito, de valor universal.
            Aristóteles atribui a Sócrates duas grandes descobertas: o método indutivo e a definição (ou conceituação, ou, melhor ainda, a abstração), que conduz ao “conceito universal.
            Sócrates foi o primeiro filósofo que procurou determinar a natureza do conceito universal e que mostrou que ele é muito diferente da opinião. De fato, a opinião varia de indivíduo para indivíduo, ao passo que o conceito universal é necessariamente o mesmo para todos. E o procedimento para se chegar à aquisição do conceito universal é a utilização do método indutivo (partindo dos seres concretos para a definição de um conceito abstrato).
            Assim, quando temos contato com uma caneta (a primeira caneta da nossa vida), procedemos, via indução (ou abstração), a uma conceituação universal, que nos permite identificar esta ou aquela caneta, a partir do simples conceito (ideia abstrata) que temos daquele objeto.
            E quais são os conceitos universais mais nobres? São os de bem, de justiça, de felicidade e de virtude, isto é os conceitos éticos. Os sofistas tinham negado que existisse um bem que fosse válido para todos, uma felicidade idêntica para todos, isto porque “tudo é relativo”. Sócrates, ao contrário, indo além das aparências, demonstrou que o homem tem a capacidade de conhecer o bem e de distingui-lo do mal. É verdade que os homens consideram boas coisas diferentes: para uns, o bem consiste nas riquezas, para outros, nas honras, para outros, na virtude. Mas, é verdade que todos os homens têm a mesma noção do bem e do mal.
            Um homem pode amar a riqueza e considerá-la um bem, outro pode considerar como bem as honrar, outro, os prazeres. Mas, observa Sócrates, ninguém dirá que o bem é mal, nem que o mal é bem; todos procuram o que pensam ser bom e evitam o que pensam ser mau. É evidente, pois, que todos têm a noção ou o conceito do bem e do mal, noção esta que é sempre a mesma, embora a sua aplicação possa ser diferente. Com o mesmo procedimento, descobrem-se os conceitos de justiça, beleza, verdade etc.
            Para Sócrates, a moralidade identifica-se com o conhecimento: a sabedoria é virtude e a virtude identifica-se com a sabedoria. Se o homem comete o mal, é por ignorância, pois não é admissível que, conhecendo o bem e o mal, escolha o mal e não o bem. Os homens que fazem o mal ignoram o bem ou não sabem que o que escolheram é mau.
            Os sofistas corrompiam a juventude porque negavam que se pudesse conhecer o bem e deixavam os jovens entregues à ignorância. Sócrates incitava seus ouvintes a procurarem a verdade e a sabedoria, porque somente a verdade e a sabedoria tornam o homem livre e virtuoso.
            A felicidade consiste na honestidade, na prática da virtude. Não consiste em algo exterior e passageiro (riqueza, honras, prazeres), como ensinavam os sofistas, mas na consciência reta, no seguir sempre os ditames da razão: numa palavra, na prática da virtude.

Escolas socráticas

            Sócrates teve muitos discípulos que, por sua vez, formaram suas escolas. Entre as quais, as mais importantes são a cínica (fundada por Antístenes, pregava o desapego dos bens materiais e a absoluta independência em relação aos acontecimentos deste mundo, que é o ponto distintivo da vida do filósofo e do sábio), a cirenaica (fundada por Aristipo de Cirene, centravam seu interesse nos problemas éticos, rejeitando como inúteis outros tipos de pesquisa) e a megárica (fundada por Euclides de Mégara, afirmavam que a única realidade é o bem, e do conhecimento do bem, como prática dele, dependem logicamente a virtude e a felicidade).


Platão

            Platão é uma das maiores figuras de todos os tempos, juntamente com Aristóteles. Nasceu em Atenas, em 427 a.C. Seus pais foram Aristão e Perizona, descendentes de famílias nobres da Grécia. Recebeu esmerada educação, sendo seu primeiro contato com a cultura no terreno da pintura e da poesia. Mas, logo começou o estudo da filosofia, frequentando a escola de Crátilo.
            Os estudiosos dividem a sua vida, depois da infância, em quatro períodos:
·         Discípulo de Sócrates, de quem foi fortemente influenciado, de 407 a 399 a.C.;
·         Viajante pela Grécia e pela Itália, de 398 a 387 a.C.;
·         Fundador e Reitor da Academia de Atenas, de 387 a 367 a.C.;
·         Preceptor de Dionísio, o Jovem, entre 367 a 360 a.C.
O filósofo, morto em 347 a.C., passou os últimos dias de sua vida na Academia, levando a termo alguns diálogos e uma obra monumental de filosofia política e moral: as Leis.

A teoria das ideias

            O enfoque metafísico (a causa primeira) é marcante na filosofia de Platão, que sugere a teoria das ideias como solução para todos os problemas filosóficos. A intuição fundamental de Platão assemelha-se aos conceitos universais de Sócrates: uma coisa é bela porque participa da beleza, é verdade porque participa da verdade, é boa porque participa da bondade, é humana porque participa da humanidade, é esférica porque participa da esfericidade. Esta é a causa do mundo sensível: a sua participação no mundo intelectual.
            Isto significa que, existindo um mundo sensível, deve existir o mundo inteligível. Existem bancos porque existe à parte, separado, subsistente “o” Banco; existem cães porque existe “o” Cão; existem homens porque existe “o” Homem; existem coisas belas, verdadeira, iguais porque existem “a” Beleza, “a” Bondade, “a” Verdade, “a” Igualdade etc.
            Para Platão, portanto, existem dois mundos, o inteligível e o sensível, e que o primeiro é causa do segundo.

O mundo das ideias

            Para demonstrar a existência do mundo inteligível, isto é, do mundo das Ideias, Platão apresenta-nos três argumentos.
·         A Reminiscência, pela qual temos a Ideia de verdade, de bondade, de igualdade, a Ideia universal de homem etc. Essas ideias não as tiramos da experiência. Logo o conhecimento atual é mera recordação de uma intuição que se deu em outra vida;
·         O Verdadeiro Conhecimento: não existe ciência a não ser do verdadeiro; ora, a verdade exige correspondência entre o conhecimento e a realidade; mas, o único conhecimento humano que merece o nome de “ciência” é o que diz respeito aos conceitos universais;
·         A Contingência: deve existir a Ideia necessária e estática para que se explique o nascer e o perecer das coisas – uma coisa bela é bela não por certa combinação de cores, mas porque é uma aparição terrena do Belo em si; o dois é dois não pela adição de duas unidades, mas pela participação na Dualidade.
Porém, qual a natureza das Ideias: Platão as descreve como sendo realidades simples, incorpóreas, imateriais, não sensíveis, incorruptíveis, eternas, divinas, imutáveis, autossuficientes, transcendentes.
No Banquete (210 e 211), Platão fala da Beleza, trecho que pode ser aplicado às outras Ideias:
Ela existe sempre; não vem a ser, não perece; não aumenta, não diminui. Não é bela em um sentido e feia no outro. Além disso, a Beleza não pode ser pensada como dotada de rosto e mãos: ela não tem nada do que pertence ao corpo. Ela não é feita de palavras nem de pensamentos. Ela existe, mas não em outra coisa, não nos seres vivos; não na Terra, nem no céu nem em nenhum outro elemento. Esta Beleza é de si, em si e por si, em sua pura objetividade, em um só aspecto pela eternidade. As outras coisas belas, ao contrário, participam, todas elas, de modo misterioso, desta Beleza misteriosa. Mas, as coisas belas nascem e perecem; a Beleza, porém, não passa por nenhuma vicissitude; ela não se torna, de modo algum, maior ou menor”.
            As Ideias são modelos das coisas e, por isso, segundo Platão, há tantas Ideias quantos são os gêneros das coisas.
            Uma questão difícil na doutrina de Platão é o lugar de Deus no mundo inteligível. Ele acredita, além da existência dos deuses, também na de um “Ser supremo”, a que chama de Demiurgo, ou Fiturgo, criador e pai do universo, “artífice de toda sorte de objetos; a terra, o céu, os deuses e todos os astros do firmamento e tudo o que está debaixo da terra ele produz com o seu trabalho” (República, 596).
            Platão condena severamente os que põem em dúvida a sua existência e afirma que isso deve proceder de um estado mental provisório influenciado por alguma desordem moral, uma vez que são muito evidentes os indícios da existência de Deus.
            Na teoria de Platão, Deus faz parte do mundo inteligível, pois dotado de propriedades como eternidade, incorruptibilidade, simplicidade, perfeição absoluta que só existem em tal mundo. Mas, Deus é uma Ideia ou uma coisa?
            Para Platão, Deus é uma das Ideias soberanas (Bondade, Beleza, Unidade, Ser). Por outro lado, Deus é apresentado como uma vitalidade e concreteza tais que nunca se encontram no conceito platônico das Ideias.
            Em síntese, Deus, para Platão, constitui um grande mistério. No Timeu, ele confessa: “É difícil encontrar o Autor e Pai do Universo, e, uma vez encontrado, é muito difícil falar dele”. Lembremos, aqui, que os gregos não dispunham dos elementos trazidos pela Revelação divina ao longo da história judaica, nem presenciaram o ápice desta Revelação, Jesus Cristo, que nos veio mostrar o Pai.

O mundo sensível

            Platão afirma que, no início, havia, além das Ideias (os modelos a reproduzir), o Caos (uma matéria informa a plasmar) e o Demiurgo (o artífice soberano).
            O Demiurgo, contemplando as Ideias, plasma a matéria informe e assim produz o mundo material. Terminada a formação do mundo, o Demiurgo infunde nele uma alma universal, a qual tem como função conservar a vida do mundo, sem necessidade de uma contínua intervenção do Demiurgo. A relação entre o mundo sensível e o mundo inteligível se dá por imitação (mímesis), ou como participação (méthekis) do sensível no ideal.

Outras questões da filosofia platônica

            O conhecimento, ou a questão epistemológica, na filosofia de Platão, é uma questão delicada. Em síntese, o filósofo considera tanto o conhecimento sensível, quanto o conhecimento intelectivo: este, para o mundo das Ideias, aquele, para o mundo sensível, distinguindo, portanto, a “sensação” e a “intelecção”.
            Porém, entre estes dois conhecimentos existe uma separação profunda, tão profunda que não há nenhuma comunicação entre eles. Por isso, o conhecimento das Idéias não se dá por meio da abstração dos seres concretos, sensíveis, materiais. Na verdade, nós as apreendemos no Hiperurânio (o mundo das Ideias) e lembramo-nos delas quando entremos em contato com as coisas materiais.
            Há graus inferiores e superiores de conhecimento, devidamente explicitados na alegoria do Mito da Caverna (que já vimos anteriormente). O mito nos mostra que a passagem de um grau para o outro se dá muito lentamente e com grande esforço, exigindo uma conversão, uma total mudança de mentalidade.
            Essa teoria de Platão é conhecida como doutrina da reminiscência, para quem conhecer é recordar. Ocasião para isso é o encontro com as coisas deste mundo, as quais são cópias das Ideias.

            Na psicologia de Platão, apreendemos que o homem não é uma unidade substancial, mas acidental: essencialmente diversos, a alma e o corpo encontram-se juntos apenas provisoriamente, durante a vida presente. Na origem, o homem era só alma e existia no mundo das Ideias.
            Depois da criação do mundo, o Demiurgo criou os astros a partir do fogo, os pássaros a partir do ar, os peixes a partir da água, os animais e os homens a partir da terra. Mas, somente os astros foram feitos completamente por ele. Dos outros seres, o Demiurgo produziu só o elemento espiritual, delegando aos deuses menores a criação do corpo. Também nos homens, ele criou somente as almas. Depois, semeou-as, umas na Terra, outras na Lua e outras nos astros.
            Segundo Platão, o homem tem  não uma, mas três almas: a alma racional (cabeça), a alma irascível (peito) e a alma concupiscível (ventre). A alma racional é como o carroceiro, as outras são os dois cavalos que puxam a carroça, sendo um bom e belo, o outro mau e feio. O cavalo bom é obediente ao carroceiro, o outro é rebelde e dá muito trabalho ao companheiro e ao carroceiro.
            Para Platão, a alma é imortal, sua felicidade primordial consistia na contemplação das Ideias. Contudo, com o tempo, a alma não foi capaz de manter a contemplação e, tornando-se pesada, caiu sobre a Terra. Provam isto: 1) o fato que nos lembramos das Ideias (reminiscência); 2) a alma é superior ao corpo, os prazeres do corpo são passageiros, os da alma são duradouros; 3) a participação essencial da alma na Ideia da vida implica a sua imortalidade.
            Finalmente, Platão afirma que a alma do homem é imortal, pois todos aspiram pela sobrevivência, alcançada de três formas: a procriação dos filhos, a glória e a filosofia, esta última entendida como a forma mais eficaz de se atingir a imortalidade, pois se trata de livrar-se dos estorvos deste mundo sensível e chegando ao sumo vértice da sabedoria.

            A ética de Platão permeia toda a sua filosofia: ela ensina o homem a desprezar os prazeres, as riquezas e as honras, a renunciar aos bens do corpo e deste mundo e a praticar a virtude. Há, na vida, uma esfera inteligível pela qual vale a pena viver: no mundo sensível, a alma, prisioneira do corpo, é peregrina à procura de um bem superior que perdeu. O homem está na terra apenas de passagem. A vida verdadeira é no além, no Hades.
            No Hades, a alma é julgada segundo os critérios da justiça, da temperança e da virtude. A sentença pode se dar de três formas: se tiver vivido na justiça, a alma receberá um prêmio (irá para lugares maravilhosos nas ilhas felizes); se tiver vivido em plena injustiça ao ponto de ter-se tornado incurável, receberá um castigo eterno (será precipitado no Tártaro para sempre); se tiver cometido somente injustiças curáveis, ou seja, se tiver vivido em parte justamente e em parte injustamente, se se arrepender de suas injustiças, será castigada apenas temporariamente e, depois de expiadas as culpas, receberá a recompensa que merece.
            Portanto, quem pratica a injustiça, merece mais compaixão do que quem a sofre. Na República, Platão diz que “é mais feliz o justo no meio dos sofrimentos, do que o injusto num mar de delícias”.
            Ainda, Platão ensina que, para conseguir a felicidade, o homem deve renunciar aos prazeres e às riquezas e dedicar-se à prática da virtude.
            E o que é a virtude? Para Platão, a virtude é o conhecimento, ao passo que a ignorância é o mal. E, sendo o conhecimento verdadeiro um só, segue-se que também a virtude é uma só: a conquista da verdade.

            A política penetrou profundamente a filosofia de Platão, a ponto de levá-lo a desenvolver uma filosofia política profunda e original: a nova ordem política e o novo Estado deveriam deixar de lado a retórica e abraçar a filosofia como instrumento, pois a filosofia é a via mais segura de acesso aos valores de justiça e de bem, os quais são a verdadeira base da política autêntica e, portanto, do Estado autêntico.   O pensamento político de Platão está condenado em República, Política e Leis.
            Segundo o nosso filósofo, o Estado tem sua origem no fato de que o indivíduo não basta a si mesmo, pois ninguém pode, ao mesmo tempo, ser advogado, artesão, camponês, professor etc. Para satisfazer às suas necessidades, os homens tiveram que se associar uns aos outros e dividir com eles suas ocupações. Três são as classes ideais no Estado ideal: trabalhadores, guerreiros e magistrados.
            Virtude própria do guerreiro é a coragem ou a fortaleza, a dos magistrados é a sabedoria. A união das classes sociais é mantida elas outras duas virtudes cardeais: a justiça (que induz os cidadãos a desempenharem perfeitamente suas funções, sem invadirem o campo das outras classes) e a temperança (que assegura a subordinação dos governados aos governantes).
            Platão defende uma política eugênica: somente os casais saudáveis, inteligentes e belos poderiam ter filhos. Quando nascessem, as crianças deveriam, mesmo assim, ser separados de seus pais para serem formados numa atmosfera exemplar, sem a influência de fraquezas, indulgências e costumes que as possam debilitar. Os mais dotados, devem ser destinados a ser guerreiros ou magistrados; os menos dotados, a serem trabalhadores.
            O governante ideal é o filósofo-rei, a governar não segundo as leis preestabelecidas, mas segundo apenas soluções que a sua sabedoria lhe sugere em cada caso. Porém, sabendo ser quase impossível um governo assim, Platão admite a possibilidade de um rei que governa segundo leis escritas.
            O que caracteriza um bom governo é que ele tem como finalidade o bem do homem. Não um bem qualquer, mas aquele que conduz o homem ao seu verdadeiro bem: o bem espiritual. Assim, para Platão, o Estado ideal é o que quer viver no Bem, na Justiça, na Verdade.
            As duas formas de governo (o filósofo-rei e o rei que governa segundo a lei), Platão opõe quatro tipos de mau governo: a timocracia (o governo dos ambiciosos), a oligarquia (o governo dos ricos), a democracia (o governo turbulento das massas populares) e a tirania (que é o governo de um déspota, corrompido pelas paixões).



Aristóteles

            Considerado “O Filósofo”, Aristóteles nasceu em Estagira, em 384 a.C. Foi preceptor de Alexandre, o Grande, e fundou o Liceu de Atenas. Após a morte de Alexandre, retirou-se para a Eusébia, onde morreu aos 60 anos de idade, em 322 a.C.
            Teve Aristóteles o verdadeiro caráter do homem de estudo e de pensamento. Sua intensa atividade literária é manifestada pelas suas obras, que Andrônico de Rodes dividiu em: escritos de lógica, escritos de física, escritos de moral e política e escritos de retórica e poética.

A gnosiologia (o estudo do pensamento)

            Para Aristóteles, a filosofia é a ciência que resolve o problema do ser, que decifra o enigma do universo, em face do qual a atitude inicial do espírito é o assombro do mistério. O problema fundamental de Aristóteles é o ser, as substâncias imutáveis e a razão última das coisas, e o objeto específico da filosofia é a solução do seu problema.
            Considera-se Aristóteles com o fundador da lógica analítica, tratando dos problemas gnosiológicos no seu escrito denominado  Órganon. A provar a validade do conhecimento, Aristóteles o faz de forma objetiva e realista (diferentemente de Platão). A filosofia de Aristóteles é dedutiva, partindo do particular para chegar ao universal. O método, portanto, da lógica aristotélica é o método dedutivo, demonstrativo, apodítico. É o que chamamos de silogismo.
            É da experiência sensível que tiramos os princípios primeiros do conhecimento de determinada coisa, pois os sentidos nunca nos enganam. O erro começa com uma falsa elaboração dos dados dos sentidos.
            A respeito da razão, temos um conhecimento indutivo, ou seja, abstrativo, em que se dá a desindividualização do universal do particular. Formam-se os conceitos de forma a posteriori, ou seja, depois da experiência. Aristóteles sustenta ser impossível uma indução completa, motivo pelo qual a indução incompleta, mas imediata, se dá de forma a priori.
A metafísica
           
            A metafísica de Aristóteles é a “ciência do ser como ser, ou dos princípios e das causas do ser e dos seus atributos essenciais”. O seu tratado de metafísica pode ser divido em geral e especial, que tem como objeto o mundo que “vem-a-ser” – a natureza e o homem – culminando no que não pode “vir-a-ser”, isto é Deus. Modernamente, é o que denominamos Ontologia Geral (o mundo) e Específica, ou teodicéia (Deus).
            Na metafísica geral, Aristóteles trata dos seguintes argumentos:
·         A doutrina do ato e da potência: potência significa possibilidade, capacidade de ser, não-ser atual; e ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Todo ser que não é perfeitíssimo é um misto de ato e de potência, em diversas proporções, de acordo com sua perfeição. Aristóteles aplica esta ideia à questão da matéria e da forma;
·         A doutrina da matéria e da forma: Aristóteles não nega o devir de Heráclito, nem o ser de Parmênides, mas une-os. Segundo o nosso filósofo, a mudança pressupõe uma realidade imutável como referencial da mudança. Esta realidade imutável pode ser de duas espécies: um substrato comum (ou matéria), em que a mudança se realiza, e um substrato específico (a forma).  A primeira é potência, a segunda é ato. A mudança consiste na sucessão de várias formas na idêntica matéria. Não há, portanto, matéria sem forma, nem forma sem matéria. A forma é princípio de atuação e de determinação da matéria. Forma e matéria são os elementos constitutivos da realidade física. Mas, o que explica a realidade efetiva das coisas? Ou seja, qual o “motor” da mudança? Aristóteles afirma a causa eficiente, que opera na realidade, com vistas a um fim (a causa final, que dirige a causa eficiente para a atualização da matéria mediante a forma).
·          A doutrina do particular e do universal: mediante a doutrina da matéria e da forma, Aristóteles explica o indivíduo, a substância física, a única realidade efetiva no mundo, que é precisamente síntese de matéria e forma. A essência, igual em todos os indivíduos da mesma espécie, deriva da forma; a individualidade, pela qual toda substância é original e se diferencia de todas as demais, depende da matéria. O indivíduo, portanto, é potência realizada, matéria enformada, universal particularizado. Mediante esta doutrina e explicado o problema o universal e do particular.
·         A doutrina do motor e da coisa movida: da relação entre potência e ato, entre matéria e forma, surge o movimento, a mudança, o vir-a-ser, a que é submetido tudo que tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível. Esta realização do possível, porém, pode ser levada a efeito unicamente por um ser que já está em ato, que possui já o que a coisa movida deve vir-a-ser, visto ser impossível que o menos produza o mais, o imperfeito o perfeito, a potência o ato, mas, sim, vice-e-versa. Mesmo que um ser se mova a si mesmo, aquilo que move deve ser diverso daquilo que é movido, deve ser composto de um motor e de uma coisa movida. Por exemplo, a alma é que move o corpo. O motor pode ser unicamente ato, forma; a coisa movida pode ser unicamente potência, matéria. Eis a grande doutrina aristotélica do motor e da coisa movida, que culmina no motor primeiro, absolutamente imóvel, ato puro, isto é, Deus.

A cosmologia

            A questão da filosofia da natureza, em Aristóteles, trata e analisa os vários tipos de movimento, de mudança (passagem da potência ao ato), quais sejam 1) o movimento substancial (mudança de forma, nascimento e morte); 2) movimento qualitativo (mudança de propriedade); 3) movimento quantitativo (acréscimo e diminuição); 4) movimento espacial (mudança de lugar).
            Ainda, trata Aristóteles do espaço e do tempo. O espaço é definido como sendo o limite do corpo; o tempo é definido como sendo a medida do movimento segundo o aspecto do “antes” e do “depois”. Assim sendo, na concepção de Aristóteles, tempo e espaço somente podem ser entendidos na dinâmica do mundo, não se admitindo tempo e espaço fora dele.
            Aristóteles afirma, em eu teleologismo – ou finalismo – que a natureza faz, enquanto possível, sempre o que é mais belo. Fim de todo o devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a realização da forma na matéria. A respeito das ciências químicas, físicas e astronômica, Aristóteles atribui valor meramente histórico.

A psicologia

            Para o Estagirita, o mundo é animado, ou seja, tem por princípio a alma e se distingue essencialmente do mundo inorgânico. Aristóteles distingue a alma vegetativa, a alma sensitiva e a alma racional. Somente o homem possui alma racional. Diferentemente de Platão, o corpo não é a “prisão” da alma, mas seu instrumento.
            O homem é uma unidade substancial de alma e corpo. O que caracteriza a alma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo que a faz espírito. O que caracteriza o corpo é a sensibilidade, que permite o conhecimento sensível. Como já vimos acima, a sensação é objetiva, sempre verdadeira com respeito ao objeto conhecido. Mas, acima do conhecimento sensível, sempre estará o conhecimento racional, de modo que Aristóteles aceita a distinção platônica de sensação e de pensamento. Porém, não temos ideias inatas, somos, na verdade, uma tabula rasa.
O objeto do sentido é o particular, o contingente, o mutável, ao passo que o objeto do intelecto é o universal, o necessário, o imutável.
Duas são as atividades da alma: o apetite e a vontade. O apetite é o conhecimento guiado pelo conhecimento sensível, e é próprio da alma animal. Já a vontade é o impulso, ou o apetite guiado pela razão, que é própria da alma racional.

A teologia

            O objeto da teologia de Aristóteles é o motor imóvel, ato puro, pensamento do pensamento, ou seja, Deus, a quem o filósofo chega através de uma sólida demonstração baseada na experiência, na realidade do vir-a-ser. Como dito acima, a mudança pressupõe um referencial, que é a estabilidade, não encontrada no mundo sensível. Em outras palavras, necessária é a existência de um motor imóvel, que não se mova, mas que promova o movimento.
            Deus, o real puro, é aquilo que move sem ser movido; a matéria, o possível puro, é aquilo que é movido, sem se mover a si mesmo.
            Do conceito de Deus, Aristóteles passa à análise de sua natureza essencial: é ato puro e a causa final do mundo material.

A moral

            Todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à concretização plena de sua forma. E nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade e, por consequência, a sua lei. Haja vista ser a razão a característica essencial do homem, ele realiza a sua natureza vivendo racionalmente, e sendo consciente disto. Somente desta maneira, o homem alcança a felicidade e a virtude. Logo, o fim do homem é a felicidade, para a qual é necessária a virtude que, por sua vez, necessita da razão.  Em síntese, a ética aristotélica vislumbra a supremacia do conhecimento e do intelecto sobre a mera vontade.

A política

            O Estado é um organismo moral, condição da atividade moral individual. Contudo, a política distingue-se da moral, que tem como objeto o indivíduo (a política tem como objeto a coletividade). A ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. O Estado é composto pela comunidade das famílias, composta, segundo Aristóteles, pelos filhos, a mulher, os bens e os escravos. Ao chefe, cabe a direção geral. A fim de que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos animados e inanimados (os escravos, a quem Aristóteles não nega a natureza humana) e os diversos instrumentos. O Estado surge porque o homem é um animal político, naturalmente social. Porém, o fim do Estado é essencialmente espiritual e, portanto, pedagógico.




domingo, 29 de julho de 2012

Nota de Aula II (continuação)


NOTA DE AULA II (continuação)

Fontes: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/presocratico.htm>,
http://www.grupoescolar.com/pesquisa/a-teoria-atomistica.html

Introdução

            Um estudo sistemático da filosofia grega obriga-nos à divisão da história. Assim, por questões pedagógicas, divide-se a história da filosofia grega em três grandes períodos:
I. Período pré-socrático (séc. VII-V a.C.) - Problemas cosmológicos. Período Naturalista: pré-socrático, em que o interesse filosófico é voltado para o mundo da natureza;
II. Período socrático (séc. IV a.C.) - Problemas metafísicos. Período Sistemático ou Antropológico: o período mais importante da história do pensamento grego (SócratesPlatãoAristóteles), em que o interesse pela natureza é integrado com o interesse pelo espírito e são construídos os maiores sistemas filosóficos, culminando com Aristóteles;
III. Período pós-socrático (séc. IV a.C. - VI d.C.) - Problemas morais. Período Ético: em que o interesse filosófico é voltado para os problemas morais, decaindo entretanto a metafísica;

Primeiro Período
O primeiro período do pensamento grego toma a denominação substancial de período naturalista, porque a nascente especulação dos filósofos é instintivamente voltada para o mundo exterior, julgando-se encontrar aí também o princípio unitário de todas as coisas; e toma, outrossim, a denominação cronológica de período pré-socrático, porque precede Sócrates e os sofistas, que marcam uma mudança e um desenvolvimento e, por conseguinte, o começo de um novo período na história do pensamento grego, embora os questionamentos dos pré-socráticos perpassem o tempo pós-socrático.
Esse primeiro período tem início no VI século a.C. e termina dois séculos depois, mais ou menos, nos fins do século V. Surge e floresce fora da Grécia propriamente dita, nas prósperas colônias gregas da Ásia Menor, do Egeu (Jônia) e da Itália meridional, da Sicília, favorecido sem dúvida na sua obra crítica e especulativa pelas liberdades democráticas e pelo bem-estar econômico.
Os filósofos deste período preocuparam-se quase exclusivamente com os problemas cosmológicos e descobrir a origem do mundo. Visavam descobrir a “archè”, que é o princípio físico do qual derivou todo o Universo.
Perguntas principais dos filósofos do período pré-socrático são: de onde veio o mundo, os seres humanos, os animais, os minerais etc.? Como é que as coisas do mundo surgem e evoluem? Daí eles serem chamados de “filósofos da natureza”, ou “filósofos da phisis”, ou “filósofos da arkhé”.
Em síntese, buscaram os pré-socráticos estudar o mundo exterior nos elementos que o constituem, na sua origem e nas contínuas mudanças a que está sujeito, questões que dão unidade a este período. Pelo modo de a encarar e resolver, classificam-se os filósofos que nele floresceram em quatro escolas: Escola JônicaEscola ItálicaEscola EleáticaEscola Atomística.
            Assistamos ao vídeo abaixo:


           


Escola Jônica
A Escola Jônica, assim chamada por ter florescido nas colônias jônicas da Ásia Menor, compreende os jônios antigos e os jônios posteriores ou juniores. A escola jônica é também a primeira do período naturalista, preocupando-se os seus expoentes com achar a substância única, a causa, o princípio do mundo natural vário, múltiplo e mutável.
Essa escola floresceu precisamente em Mileto, colônia grega do litoral da Ásia Menor, durante todo o VI século, até a destruição da cidade pelos persas no ano de 494 a.C., prolongando-se porém ainda pelo V século.
Os jônicos julgaram encontrar a substância última das coisas em uma matéria única; e pensaram que nessa matéria fosse imanente uma força ativa, de cuja ação derivariam precisamente a variedade, a multiplicidade, a sucessão dos fenômenos na matéria una. Daí ser chamada esta doutrina hilozoísmo (matéria animada). Os jônios antigos consideram o Universo do ponto de vista estático, procurando determinar o elemento primordial, a matéria primitiva de que são compostos todos os seres.
Os mais conhecidos são: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto.
Os jônios posteriores distinguem-se dos antigos não só por virem cronologicamente depois, senão principalmente por imprimirem outra orientação aos estudos cosmológicos, encarando o Universo no seu aspecto dinâmico, e procurando resolver o problema do movimento e da transformação dos corpos. Os mais conhecidos são: Heráclito de Éfeso, Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômenas.

Tales de Mileto (624-548 A.C.) "Água"
Tales de Mileto, fenício de origem, é considerado o fundador da escola jônica. É o mais antigo filósofo grego. Tales não deixou nada escrito, mas sabemos que ele ensinava ser a água a substância única de todas as coisas. A terra era concebida como um disco boiando sobre a água, no oceano.
Cultivou também as matemáticas e a astronomia, predizendo, pela primeira vez, entre os gregos, os eclipses do sol e da lua. No plano da astronomia, fez estudos sobre solstícios a fim de elaborar um calendário, e examinou o movimento dos astros para orientar a navegação. Provavelmente nada escreveu. Por isso, do seu pensamento só restam interpretações formuladas por outros filósofos que lhe atribuíram uma idéia básica: a de que tudo se origina da água.
Segundo Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá origem à terra; ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A cosmologia de Tales pode ser resumida nas seguintes proposições: A terra flutua sobre a água; a água é a causa material de todas as coisas.
Aristóteles, tentando traduzir o pensamento de Tales, identificou a flutuação sobre a água com o elemento estático e a geração e a nutrição de todas as coisas pela água com o elemento estático. Tales acreditava em uma "alma do mundo", havia um espírito divino que formava todas as coisas da água.
Tales sustentava ser a água a substância de todas as coisas.

Anaximandro de Mileto (611-547 A.C.) "Ápeiron"
Anaximandro de Mileto, geógrafo, matemático, astrônomo e político, discípulo e sucessor de Tales e autor de um tratado Da Natureza, põe como princípio universal uma substância indefinida, o ápeiron (ilimitado), isto é, quantitativamente infinita e qualitativamente indeterminada.
Deste ápeiron (ilimitado) primitivo, dotado de vida e imortalidade, por um processo de separação ou "segregação" derivam os diferentes corpos. Supõe também a geração espontânea dos seres vivos e a transformação dos peixes em homens. Anaximandro imagina a terra como um disco suspenso no ar. Eterno, o ápeiron está em constante movimento, e disto resulta uma série de pares opostos - água e fogo, frio e calor, etc. - que constituem o mundo. O ápeiron é assim algo abstrato, que não se fixa diretamente em nenhum elemento palpável da natureza.
Com essa concepção, Anaximandro prossegue na mesma via de Tales, porém dando um passo a mais na direção da independência do "princípio" em relação às coisas particulares. Para ele, o princípio da "physis" (natureza) é o ápeiron (ilimitado).
Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso do gnômon (relógio de sol) e a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é o iniciador da astronomia grega). Ampliando a visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito de uma lei universal presidindo o processo cósmico total. Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de um terremoto.
Anaximandro julga que o elemento primordial seria o indeterminado (ápeiron), infinito e em movimento perpétuo.

Anaxímenes de Mileto (588-524 A.C.) "Ar"
Segundo Anaxímenes, a arkhé (princípio) que comanda o mundo é o ar, um elemento não tão abstrato como o ápeiron, nem palpável demais como a água. Tudo provém do ar, através de seus movimentos: o ar é respiração e é vida; o fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra são formas cada vez mais condensadas do ar. As diversas coisas que existem, mesmo apresentando qualidades diferentes entre si, reduzem-se a variações quantitativas (mais raro, mais denso) desse único elemento.
Atribuindo vida à matéria e identificando a divindade com o elemento primitivo gerador dos seres, os antigos jônios professavam o hilozoísmo e o panteísmo naturalista. Anaxímenes dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a afirmar que a Lua recebe sua luz do Sol.
Anaxímenes julga que o elemento primordial das coisas é o ar.

Escola Itálica, ou Pitagórica
            Pitágoras, o fundador da Escola Itálica, ou pitagórica, nasceu em Samos, pelos anos 571-70 a.C. Em 532-31 foi para a Itália, na Magna Grécia, e fundou em Crotona, colônia grega, uma associação científico-ético-política, que foi o cenro de irradiação da escola e encontrou partidários entre os gregos da Itália meridional e da Sicília. Pitágoras aspirava – e conseguiu – a fazer com que a educação ética da escola se ampliasse e se tornasse reforma política.


            Segundo o pitagorismo, a essência, o princípio essencial de que são compostas todas as coisas é o número, ou seja, as relações matemáticas. Os pitagóricos, não distinguindo, ainda bem forma, lei e matéria, consideram o número como sendo a união de um e outro elemento. Da racional concepção de que tudo é regulado segundo relações numéricas, passa-se à visão fantástica de que o número seja a essência das coisas.
            Mas, achada a substância uma e imutável das coisas, os pitagóricos se acham em dificuldades para explicar a multiplicidade e o “vir-a-ser”, precisamente mediante o uno e o imutável. E julgam poder explicar a variedade do mundo mediante o concurso dos opostos, que são o ilimitado e o limitado, ou seja, o par e o ímpar, o perfeito e o imperfeito.
            O número divide-se em par, considerado como ilimitado, ou seja, que não põe limites à divisão por dois, e ímpar, limitado, determinado, perfeito (pois põe limites à divisão por dois). Os elementos constitutivos de cada coisa – sendo cada coisa número – são o par e o ímpar, o ilimitado e o limitado, o pior e o melhor.       
                


            Como a filosofia da natureza, a astronomia pitagórica representa um progresso sobre a jônica. De fato, os pitagóricos afirmaram a esfericidade da Terra e dos demais corpos celestes, bem como a rotação da Terra, explicando, assim, o dia e a noite; e afirmaram a revolução dos corpos celestes em torno de um foco central.
            Quanto à moral, dominam no pensamento pitagórico o conceito de harmonia, as práticas ascéticas e abstinenciais, com referências a ideias reencarnacionistas.
            Assistamos ao vídeo abaixo:



Heráclito
            Com Heráclito, de Éfeso, a filosofia pré-socrática – após sua expansão no sul da Itália – afirma-se na Ásia Menor. Heráclito, de raça jônica e estirpe real, solitário desdenhoso e da azáfama (correria), viveu entre o VI e V século, e expôs o seu sistema numa obra filosófica intitulada Da Natureza.
            A doutrina de Heráclito pode-se resumir nos princípios seguintes:
·         A essência de tudo, o “elemento primordial”, é o “vir-a-ser”, ou o “devir”: tudo se acha em perpétuo fluxo, a realidade está sujeita a um vir-a-ser contínuo. O único princípio estável da realidade é a lei universal do próprio devir, que Heráclito concretiza no fogo, visto ser o elemento da realidade material mais adequado a representar o vir-a-ser. Unicamente a razão, que tem por objeto o universal, colhe esta lei do devir universal;
·         O vir-a-ser é uma antítese entre a vida e a morte: “a luta é a regra do mundo e a guerra é a geradora e a dominadora de todas as coisas”;
·         Este vir-a-ser e esta oposição são reconduzidos à estabilidade e à unidade pela harmonia, pela sabedoria universal, que determinam o acordo entre as oposições. A unidade do real está na lei dialética, racional, do vir-a-ser. A causa da diferenciação das coisas está no devir.


Escola Eleata
            Também a filosofia eleata – como já a pitagórica – representa uma importação grega, e precisamente jônica, para a Itália do Sul. O fundador da assim chamada escola eleata, do lugar onde ela floresceu, Eléia, é Xenófanes, nascido em Cólofon, na Ásia Menor, pelos anos 580-76 a.C. Criticando o politeísmo e o antropomorfismo das concepções populares de Homero e de Hesíodo, Xenófanes sustenta que há uma única substância divina, eterna e imutável, tudo abraçando e governando com o pensamento.
            Outro filósofo eleata, Parmênides (nascido na primeira metade do século V a.C.), aceita o ser uno e imutável de Xenófanes, despojando-o dos atributos divinos e religiosos, de modo que temos um puro princípio metafísico e cosmológico. Ainda, Parmênides distingue entre a ciência (que nos dá a verdade), que é construída mediante a razão, da opinião, de que provém o erro. Para Parmênides, o princípio primordial das coisas é o ser, uno, idêntico, imutável, eterno.
            Finalmente, uma terceira geração de elatas encontra seu expoente em Zenão (490-430 a.C.), que foi discípulo de Parmênides. Como este, Zenão aceita a concepção do ser uno e imutável, a que, porém, acrescenta a infinitude. Zenão destaca-se, contudo, pelas suas argumentações contra a multiplicidade e contra o movimento. Ele parte do pressuposto de que o espaço é dividido em partes infinitas, e daí deduz a impossibilidade de que um corpo possa percorrer o número infinito de pontos, um após o outro, de que consta o espaço.
            Empédocles, nascido em Agrigento entre 492 e 432 a.C.,  foi um profeta, médico e filósofo que dividiu o ser uno dos eleatas em quatro elementos fundamentais, primordiais, quais sejam a terra, a água, o ar e o fogo para poder explicar a variedade e a mudança dos fenômenos e das coisas, mediante a diversa combinação desses quatro elementos. Essa combinação realiza-se mediante duas forças fundamentais e primiordiais: o amor e o ódio.
            O amor conserva tudo unido, ao passo que o ódio tudo divide. A princípio, domina unicamente o amor e, portanto, a harmonia e a paz, como que numa idade de ouro. Depois, mistura-se como o amor o ódio, a divisão, donde a origem dos seres individuais que, num predomínio sucessivo do ódio, são destruídos. Isso provoca uma reação, uma volta ao amor, recomeçando daí um novo ciclo e, assim por diante, repete-se um eterno retorno de coisas e eventos.

Escola Atomística
Demócrito (c. 460 – 370 a. C.)  era natural da cidade portuária de Abdera, na costa norte do mar Egeu. Considerado o último grande filósofo da natureza, Demócrito concordava com seus antecessores num ponto: as transformações que se podiam observar na natureza não significavam que algo realmente se transformava. Ele presumiu, então, que todas as coisas eram constituídas por uma infinidade de partículas minúsculas, invisíveis, cada uma delas sendo eterna e imutável. A estas unidades mínimas Demócrito deu o nome de átomos.
A palavra átomo significa indivisível. Para Demócrito era muito importante estabelecer que as unidades constituintes de todas as coisas não podiam ser divididas em unidades ainda menores. Isto porque se os átomos também fossem passíveis de desintegração e pudessem ser divididos em unidades ainda menores, a natureza acabaria por se diluir totalmente.
Além disso, as partículas constituintes da natureza tinham que ser eternas, pois nada pode surgir do nada. Neste ponto, Demócrito concordava com Parmênides e com os eleatas. Para ele, os átomos eram unidades firmes e sólidas. Só não podiam ser iguais, pois se todos os átomos fossem iguais não haveria explicação para o fato de eles se combinarem para formar por exemplo rochas ou mesmo seres.
Demócrito achava que existia na natureza uma infinidade de átomos diferentes: alguns arredondados e lisos, outros irregulares e retorcidos. E precisamente porque suas formas eram tão irregulares é que eles podiam ser combinados para dar origem a corpos os mais diversos. Independentemente, porém, do número de átomos e de sua diversidade, todos eles seriam eternos, imutáveis e indivisíveis.
Se um corpo – por exemplo, de uma árvore ou de um animal – morre e se decompõe, seus átomos se espalham e podem ser reaproveitados para dar origem a outros corpos. Pois se é verdade que os átomos se movimentam no espaço, também é verdade que eles possuem diferentes engates e podem ser novamente reaproveitados na composição de outras coisas que vemos ao nosso redor.
É claro que também podemos construir objetos de barro. Mas o barro nem sempre pode ser reaproveitado, pois se desfaz em partes cada vez menores, até se reduzir a pó. E estas minúsculas partículas de argila podem ser reunidas para formar novos objetos.
Hoje em dia podemos dizer que a teoria atômica de Demócrito estava quase perfeita. De fato, a natureza é composta de diferentes átomos, que se ligam a outros para depois se separarem novamente. Um átomo de hidrogênio presente numa molécula de água pode ter pertencido um dia à uma molécula de metano. Um átomo de carbono que está hoje no músculo de um coração provavelmente esteve um dia na cauda de um dinossauro.
Hoje em dia, porém, a ciência descobriu que os átomos podem ser divididos em partículas ainda menores, as partículas elementares. São elas os prótons, nêutrons e elétrons. E estas partículas também podem ser divididas em outras, menores ainda. Mas os físicos são unânimes em achar que em alguma parte deve haver um limite para esta divisão. Deve haver as chamadas partículas mínimas, a partir das quais toda a natureza se constrói.
Demócrito não teve acesso aos aparelhos eletrônicos de nossa época. Na verdade, sua única ferramenta foi a sua razão. Mas a razão não lhe deixou escolha. Se aceitamos que nada pode se transformar, que nada surge do nada e que nada desaparece, então a natureza simplesmente tem de ser composta por partículas minúsculas, que se combinam e depois se separam.
Demócrito não acreditava numa força ou numa inteligência que pudessem intervir nos processos naturais. As únicas coisas que existem são os átomos e o vácuo, dizia ele. E como ele só acreditava no material, nós o chamamos de materialista.
Por detrás do movimento dos átomos, portanto, não havia determinada intenção. Mas isto não significa que tudo o que acontece é um acaso, pois tudo é regido pelas inalteráveis leis da natureza. Demócrito acreditava que tudo o que acontece tem uma causa natural; uma causa que é inerente à própria coisa. Conta-se que ele teria dito que preferiria descobrir uma lei natural a se tornar rei da Pérsia.
Para Demócrito, a teoria atômica explicava também nossas percepções sensoriais. Quando percebemos alguma coisa, isto se deve ao movimento dos átomos no espaço. Quando vejo a Lua, isto acontece porque os átomos da Lua tocam os meus olhos.
Mas o que acontece com a consciência? Está aí uma coisa que não pode ser composta de átomos, quer dizer, de coisas materiais, certo? Errado. Demócrito acreditava que a alma era composta por alguns átomos particularmente arredondados e lisos, os átomos da alma. Quando uma pessoa morre, os átomos de sua alma espalham-se para todas as direções e podem se agregar a outra alma, no mesmo momento em que esta é formada.
Isto significa que o homem não possui uma alma imortal. E este é um pensamento compartilhado por muitas pessoas em nossos dias. Como Demócrito, elas acreditam que a alma está intimamente relacionada ao cérebro e que não podemos possuir qualquer forma de consciência quando o cérebro deixa de funcionar e degenera.
Com sua teoria atômica, Demócrito coloca um ponto final, pelo menos temporariamente, na filosofia natural grega. Ele concorda com Heráclito em que tudo flui na natureza, pois as formas vão e vêm. Por detrás de tudo o que flui, porém, há algo de eterno e de imutável, que não flui. A isto ele dá o nome de átomo.