NOTA DE AULA III
O PERÍODO SISTEMÁTICO
Introdução
O
segundo período da história do pensamento grego é o chamado período sistemático. Com efeito, nesse
período realiza-se a sua grande e lógica sistematização, culminando em
Aristóteles, através de Sócrates e Platão, que fixam o conceito de ciência e de
inteligível, a através também da precedente crise cética da sofística. O interesse dos filósofos gira não em torno
da natureza, mas em todo do homem e do espírito; da metafísica passa-se à
gnosiologia e à moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego
também o nome de antropológico, pela
importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do
mundo, até então limitado à natureza exterior.
Esse
período esplêndido do pensamento grego – depois do qual começa a decadência –
teve duração bastante curta. Abraça, substancialmente, o século IV a.C., e compreende um número relativamente pequeno de
grandes pensadores: os sofistas e
Sócrates, daí derivando as chamadas escolas socráticas menores, sendo
principais a cínica e a cirenaica,
precursoras do estoicismo e do epicurismo do período seguinte; Platão e Aristóteles, deles procedendo
a Academia e o Liceu, que
sobreviverão também no período seguinte e além, ainda, especialmente a Academia
por motivos éticos e religiosos, e em seus desenvolvimentos neopolatônicos em
especial – apesar de o aristotelismo ter superado logicamente o platonismo.
A sofísitica
Após o surgimento da democracia na
Grécia antiga, vários transformações ocorreram na sociedade, exigindo novas formas de se relacionar. A
democracia era o sistema de governo que pressupunha a escolha periódica de executores
e elaboradores das leis. E para isso, não havia nenhum critério.
Neste período,
em que já estão avançadas as questões cosmológicas, a busca pelo ser das coisas deixa de ser
o foco principal das questões filosóficas, que agora se ocupa com o homem e
suas potencialidades. Era preciso saber
falar para fazer valer seus interesses nas assembleias. Surgem, então, os
famosos oradores denominados sofistas, palavra que significa
sábio em grego.
Esses homens,
portadores de uma eloquência incomum, propunham ensinar qualquer coisa aos
cidadãos que almejassem os cargos públicos ou simplesmente que se defenderiam
em um caso litigioso. No entanto, suas técnicas nada mais eram do que ensinar a persuadir convencendo seu
interlocutor em um debate, seja pela emoção, seja pela passividade deste.
Ardilosos
oradores, os sofistas fascinavam àqueles que ouviam suas palestras, ensinando como transformar um argumento
fraco em um argumento forte e vice-versa. Para eles, fácil era convencer
conforme seus interesses, por isso conseguiam provar que uma coisa ora era
branca, ora preta. O importante era
convencer a qualquer custo. Mediante salários (ou seja, cobravam pelo
ensino), eles ensinavam a quem pudesse pagar, sobre qualquer
coisa, dizendo serem portadores de um saber universal. Mas na prática,
ensinavam como refutar o seu adversário, não se preocupando com a relação que
as palavras tinham com as coisas, articulando-as segundo as necessidades do
debate para convencer e derrotar seu oponente.
São famosos e
numerosos os sofistas que atuaram na Grécia antiga, em especial em Atenas, onde
a cultura floresceu com mais evidência. Híppias, Pródico, Antístenes, Trasímaco
são apenas alguns exemplos históricos destes que inventaram um certo modo de
viver numa política que pressupunha a isonomia (leis iguais para todos os cidadãos). No
entanto, podemos destacar especialmente dois
dos maiores sofistas de todos os tempos: Górgias e Protágoras.
Protágoras, nascido em Abderas pelo ano
480 a.C., é conhecido como o primeiro sofista. Sua fama se estendia por todas
as colônias e era um homem culto e bem sucedido. Aliás, a estima do público, a
vaidade e o reconhecimento era algo de que todos os sofistas se valiam, pois
para eles o que importa é o momento e
jamais o que se tem depois de morto. Questões
espirituais eram descartadas, gerando algumas acusações de impiedade, das
quais o próprio Protágoras conseguiu escapar.
Este eminente
orador vivia uma forma de absoluto
subjetivismo relativista. Sua máxima “o homem é a medida de todas as coisas” ilustra bem o modo de pensar
das diferentes pessoas. Isto quer dizer que cada pessoa, pensa, deseja e busca algo para si, de tal forma única que
impossibilita que exista uma verdade absoluta.
A verdade, segundo Protágoras, depende de
cada um, depende de como cada coisa aparece para cada um em seu juízo. O
que pode ser verdade para um, pode não o ser para outro. Com esse relativismo moral, ele rejeita toda verdade
universal. Se algo te parece bom,
faça. Se isso traz benefício a você e prejuízo aos outros, faça assim mesmo.
Com isso,
Protágoras também desacreditava dos deuses. Seu pragmatismo imediatista
afirmava que se você nada pode saber dos deuses, eles não servem para nada e,
assim, você pode ser indiferente a eles. Esse foi um dos motivos pelos quais
ele foi acusado de impiedade.
Outro ilustre
sofista e não menos importante foi Górgias,
nascido em Leôncio, na Sicília (484-375 a.C.). Descartando qualquer noção de moral ou virtude, ele determinou a
persuasão como algo essencial ao homem. Segundo ele, o domínio dessa
técnica permite ao homem conhecer todas as coisas e, com isso, ser feliz.
Górgias redigiu
um tratado sobre o Não Ser, em resposta ao filósofo Parmênides, em que consta o
resumo de seu modo niilista de pensar. Para
ele, nada existe de real; e se nada existe, o homem não pode conhecer
verdadeiramente nada; e mesmo que algo exista e possa a ser conhecido, seria
impossível comunicar aos outros este conhecimento.
Desse modo,
Górgias acentua o seu ceticismo, evidenciando a impossibilidade de um
conhecimento definitivo e propiciando um ambiente em que o mundo só tem o valor
daquilo que o homem confere, consciente de sua efemeridade, ou seja, que o
homem é um ser passageiro e que age apenas para satisfazer seus interesses
pessoais.
Sócrates
Sócrates nasceu em
Atenas, em 469 a.C., quando a cidade já tinha alcançado o máximo de seu
esplendor artístico e o vértice de seu poderio militar e econômico. Seu pai,
Sofronisco, era escultor, e sua mãe, Fenareta, era parteira. Dotado de grande
resistência física, não se abatia nem com o trabalho, nem com as dificuldades.
Andava descalço tanto no inverno, quanto no verão e se vestia do mesmo modo em
todas as estações do ano. Era moderado no comer e no beber.
Começou o estudo da
filosofia ainda jovem, entusiasmando-se por Anaxágoras. O acontecimento
decisivo de sua vida deu-se quando o oráculo de Delfos revelou a um seu amigo
que nenhum homem era mais sábio do que ele. Procurou interpretar o significado
do oráculo e concluiu que ele era o mais sábio porque tinha consciência de sua
própria ignorância.
O oráculo colocou
Sócrates no caminho de sua própria vocação: ensinar aos homens a verdade.
Casou-se com Xantipa e fez parte de várias campanhas militares, demonstrando
sempre grande coragem e heroísmo. Em 400 a.C. foi acusado de impiedade e de
corrupção da juventude. Os acusadores pediram a pena de morte, esperando que
Sócrates se salvasse fugindo para o exílio antes da instauração do processo e
serenamente fez sua própria defesa. Foi condenado à morte. Podendo propor uma
pena alternativa, sugeriu uma pequena importância em dinheiro. Irritado, o
tribunal confirmou a sentença de morte, que o próprio Sócrates executou,
bebendo sicuta.
O problema socrático
O
problema socrático consiste em saber qual foi o ensinamento filosófico de
Sócrates, que não nos deixou nenhum escrito. Seu pensamento só pode ser
conhecido através de outros autores que dele falaram, dentre os quais
Xenofonte, Platão e Aristóteles.
Isto nos leva a crer
que Sócrates a todos encantou, haja visto ter Platão se referido a Sócrates
como “o mestre que tinha encantado a todos os contemporâneos”.
A missão de Sócrates
A
missão para a qual Sócrates se sentiu chamado pelo oráculo de Delfos foi incitar
os homens a se preocuparem antes de tudo com os interesses da própria alma,
procurando adquirir sabedoria e virtude. Estimulado pelo impulso divino,
Sócrates propôs-se livrar seus concidadãos da influência nefasta dos sofistas
que punham em dúvida o conhecimento de um a verdade suprema e de uma lei moral
absoluta, e estimulá-los à procura da verdade e da virtude, dando testemunho,
com sua vida e sua morte, desses valores eternos.
O método socrático: a ironia e a
maiêutica
O
método preferido de Sócrates é o da ironia. Entre os gregos, a ironia não era
uma forma literária, mas uma atitude de espírito considerada detestável.
A ironia é uma espécie
de simulação, que em Sócrates tem a finalidade de por a descoberto a verdade.
Atacando a vaidade, as reputações enraizadas e os cânones oficiais, a ironia
socrática tem muitas vezes uma aparência negativa e revolucionária; parece
ameaçar as opiniões correntes e os valores consagrados; é cheia de irreverência
e se comprar em desprezar o que a sociedade preza.
Mas, a ironia
socrática não tem a finalidade de desprezar os valores mais altos, e, sim, de
provar sua autenticidade. Quando se finge de ignorante, tem em mira discernir
as aptidões; é um método de análise crítica, mas, sobretudo, um método
pedagógico.
Com suas perguntas,
Sócrates deixa embaraçado e perplexo aquele que está seguro de si mesmo, fá-lo
ver novos problemas, desperta a curiosidade e estimula-o a refletir. A sua arte
educativa pode ser comparada à de sua mãe, que era parteira, porque ele e como
o médico que ajuda nos partos do espírito. Por causa deste aspecto, o método de
Sócrates é chamado de maiêutica.
Por razões de método
(e não por incapacidade de Sócrates), seus diálogos levantam uma questão, mas
não dão a solução. Servem para por o interrogado no caminho da solução para que
ele mesmo a encontre. Solução difícil porque, tratando-se de problemas morais,
exige muitas vezes uma mudança de mentalidade.
Assistamos ao vídeo abaixo
Sócrates – Breve vida e obra
Sócrates e os sofistas
Sócrates
foi contemporâneo dos sofistas e o mais enérgico dos seus adversários. O embate
de Sócrates com os sofistas permite-nos extrair a síntese do pensamento
socrático e deduzir a grandeza do filósofo.
As principais
divergências podem ser abaixo elencadas:
·
Os sofistas buscavam o sucesso e ensinam como
consegui-lo. Sócrates buscava a verdade e incitava seus discípulos a
descobri-la;
·
Segundo os sofistas, para se ter sucesso é
necessário fazer carreira. Segundo Sócrates, para se chegar à verdade, é
necessário desapegar-se das riquezas, das honras, dos prazeres, reentrar no
próprio espírito, analisar sinceramente a própria alma, “conhecer-se a si mesmo”,
reconhecer a própria ignorância;
·
Os sofistas se gabavam de saberem tudo e de
ensinarem a todos. Sócrates tem a convicção de quem ninguém pode ser mestre dos
outros. Ele não é mestre, mas obstetra (maieuta); não ensina a verdade, mas
ajuda aos discípulos a descobri-la neles mesmos. Não leciona aos discípulos,
mas conversa, discute, guia-os em suas decisões, orienta-os para a descoberta
da verdade;
·
Segundo os sofistas, aprender é coisa facílima.
Afirmam, por isso, que por um preço barato podem garantir aos discípulos o
conhecimento da retórica e da arte de governar. Segundo Sócrates, aprender não
é coisa fácil. Muitos diálogos terminam sem conclusão, sem uma definição da
verdade, da bondade, da unidade, da beleza, da justiça, sem um desenvolvimento
completo do tema proposto. Para Sócrates, é somente lenta e progressivamente
que se chega ao conhecimento da verdade, esclarecendo as próprias ideias e
definindo as questões sempre com mais precisão.
·
Para os sofistas, o valor de qualquer
conhecimento e de qualquer lei moral é relativo, subjetivo. Para Sócrates,
existem conhecimentos e leis morais de valor absoluto, objetivo e, portanto,
universal.
Ensinamentos filosóficos
Sócrates,
como os sofistas, mantém-se no campo crítico-antropológico, não se interessando
pelos princípios supremos do universo, mas, sim, pelo valor do conhecimento
humano. Seus principais ensinamentos situam-se nos campos da psicologia, da
epistemologia e da moral.
Na psicologia, a doutrina
fundamental gira em torno da imortalidade da alma. Para nosso filósofo, a alma
é claramente superior ao corpo e encontra-se nele como numa prisão. A morte
libera a alma desta prisão e lha abre a porta de uma vida melhor. Deve-se,
portanto, cuidar da alma e não temer a morte.
A respeito do conhecimento, Sócrates
faz uma distinção entre opinião e verdade. O conhecimento sensível por si só
não nos pode fazer chegar ao conhecimento da verdade, somente a opiniões mais
ou menos sólidas. Para Sócrates, além do conhecimento dos sentidos, existe
outro, o conhecimento intelectual, ou conceitual. Este vai além das aparências
sensíveis, porque extrai das coisas a sua verdadeira natureza, formando na
mente uma noção, um conceito, de valor universal.
Aristóteles atribui a Sócrates duas
grandes descobertas: o método indutivo e a definição
(ou conceituação, ou, melhor ainda, a abstração), que conduz ao “conceito
universal”.
Sócrates foi o primeiro filósofo que
procurou determinar a natureza do conceito universal e que mostrou que ele é
muito diferente da opinião. De fato, a opinião varia de indivíduo para
indivíduo, ao passo que o conceito universal é necessariamente o mesmo para
todos. E o procedimento para se chegar à aquisição do conceito universal é a
utilização do método indutivo (partindo dos seres concretos para a definição de
um conceito abstrato).
Assim, quando temos contato com uma
caneta (a primeira caneta da nossa vida), procedemos, via indução (ou
abstração), a uma conceituação universal, que nos permite identificar esta ou
aquela caneta, a partir do simples conceito (ideia abstrata) que temos daquele
objeto.
E quais são os conceitos universais mais
nobres? São os de bem, de justiça, de felicidade e de virtude, isto é os
conceitos éticos. Os sofistas tinham negado que existisse um bem que
fosse válido para todos, uma felicidade idêntica para todos, isto porque “tudo
é relativo”. Sócrates, ao contrário, indo além das aparências, demonstrou que o
homem tem a capacidade de conhecer o bem e de distingui-lo do mal. É verdade
que os homens consideram boas coisas diferentes: para uns, o bem consiste nas
riquezas, para outros, nas honras, para outros, na virtude. Mas, é verdade que
todos os homens têm a mesma noção do bem e do mal.
Um homem pode amar a riqueza e
considerá-la um bem, outro pode considerar como bem as honrar, outro, os
prazeres. Mas, observa Sócrates, ninguém dirá que o bem é mal, nem que o mal é
bem; todos procuram o que pensam ser bom e evitam o que pensam ser mau. É
evidente, pois, que todos têm a noção ou o conceito do bem e do mal, noção esta
que é sempre a mesma, embora a sua aplicação possa ser diferente. Com o mesmo
procedimento, descobrem-se os conceitos de justiça, beleza, verdade etc.
Para Sócrates, a moralidade identifica-se com o
conhecimento: a sabedoria é virtude e a virtude identifica-se com a
sabedoria. Se o homem comete o mal, é por ignorância, pois não é admissível
que, conhecendo o bem e o mal, escolha o mal e não o bem. Os homens que fazem o
mal ignoram o bem ou não sabem que o que escolheram é mau.
Os sofistas corrompiam a juventude
porque negavam que se pudesse conhecer o bem e deixavam os jovens entregues à
ignorância. Sócrates incitava seus ouvintes a procurarem a verdade e a sabedoria,
porque somente a verdade e a sabedoria tornam o homem livre e virtuoso.
A felicidade consiste na honestidade, na
prática da virtude. Não consiste em algo exterior e passageiro
(riqueza, honras, prazeres), como ensinavam os sofistas, mas na consciência
reta, no seguir sempre os ditames da razão: numa palavra, na prática da virtude.
Escolas socráticas
Sócrates teve muitos
discípulos que, por sua vez, formaram suas escolas. Entre as quais, as mais
importantes são a cínica (fundada por Antístenes, pregava o desapego dos bens
materiais e a absoluta independência em relação aos acontecimentos deste mundo,
que é o ponto distintivo da vida do filósofo e do sábio), a cirenaica (fundada por
Aristipo de Cirene, centravam seu interesse nos problemas éticos, rejeitando
como inúteis outros tipos de pesquisa) e a megárica (fundada por Euclides de
Mégara, afirmavam que a única realidade é o bem, e do conhecimento do bem, como
prática dele, dependem logicamente a virtude e a felicidade).
Platão
Platão é uma
das maiores figuras de todos os tempos, juntamente com Aristóteles. Nasceu em
Atenas, em 427 a.C. Seus pais foram Aristão e Perizona, descendentes de
famílias nobres da Grécia. Recebeu esmerada educação, sendo seu primeiro
contato com a cultura no terreno da pintura e da poesia. Mas, logo começou o
estudo da filosofia, frequentando a escola de Crátilo.
Os estudiosos dividem
a sua vida, depois da infância, em quatro períodos:
·
Discípulo de Sócrates, de quem foi fortemente
influenciado, de 407 a 399 a.C.;
·
Viajante pela Grécia e pela Itália, de 398 a 387
a.C.;
·
Fundador e Reitor da Academia de Atenas, de 387
a 367 a.C.;
·
Preceptor de Dionísio, o Jovem, entre 367 a 360
a.C.
O filósofo, morto em 347 a.C., passou os últimos
dias de sua vida na Academia, levando a termo alguns diálogos e uma obra
monumental de filosofia política e moral: as Leis.
A teoria das ideias
O
enfoque metafísico (a causa primeira) é marcante na filosofia de Platão, que
sugere a teoria das ideias como solução para todos os problemas
filosóficos. A intuição fundamental de Platão assemelha-se aos conceitos
universais de Sócrates: uma coisa é bela porque participa da beleza, é verdade
porque participa da verdade, é boa porque participa da bondade, é humana porque
participa da humanidade, é esférica porque participa da esfericidade. Esta é a causa do mundo sensível: a sua
participação no mundo intelectual.
Isto significa que,
existindo um mundo sensível, deve existir o mundo inteligível. Existem bancos
porque existe à parte, separado, subsistente “o” Banco; existem cães porque
existe “o” Cão; existem homens porque existe “o” Homem; existem coisas belas,
verdadeira, iguais porque existem “a” Beleza, “a” Bondade, “a” Verdade, “a”
Igualdade etc.
Para Platão, portanto,
existem dois mundos, o inteligível e o sensível, e que o primeiro é causa do
segundo.
O mundo das ideias
Para demonstrar a
existência do mundo inteligível, isto é, do mundo das Ideias, Platão
apresenta-nos três argumentos.
·
A Reminiscência, pela qual temos a
Ideia de verdade, de bondade, de igualdade, a Ideia universal de homem etc.
Essas ideias não as tiramos da experiência. Logo o conhecimento atual é mera
recordação de uma intuição que se deu em outra vida;
·
O Verdadeiro Conhecimento: não existe
ciência a não ser do verdadeiro; ora, a verdade exige correspondência entre o
conhecimento e a realidade; mas, o único conhecimento humano que merece o nome
de “ciência” é o que diz respeito aos conceitos universais;
·
A Contingência: deve existir a Ideia
necessária e estática para que se explique o nascer e o perecer das coisas –
uma coisa bela é bela não por certa combinação de cores, mas porque é uma
aparição terrena do Belo em si; o dois é dois não pela adição de duas unidades,
mas pela participação na Dualidade.
Porém, qual a natureza das Ideias: Platão as
descreve como sendo realidades simples, incorpóreas, imateriais, não sensíveis,
incorruptíveis, eternas, divinas, imutáveis, autossuficientes, transcendentes.
No Banquete (210
e 211), Platão fala da Beleza, trecho
que pode ser aplicado às outras Ideias:
Ela existe sempre; não vem a ser, não
perece; não aumenta, não diminui. Não é bela em um sentido e feia no outro. Além
disso, a Beleza não pode ser pensada como dotada de rosto e mãos: ela não tem
nada do que pertence ao corpo. Ela não é feita de palavras nem de pensamentos.
Ela existe, mas não em outra coisa, não nos seres vivos; não na Terra, nem no
céu nem em nenhum outro elemento. Esta Beleza é de si, em si e por si, em sua
pura objetividade, em um só aspecto pela eternidade. As outras coisas belas, ao
contrário, participam, todas elas, de modo misterioso, desta Beleza misteriosa.
Mas, as coisas belas nascem e perecem; a Beleza, porém, não passa por nenhuma
vicissitude; ela não se torna, de modo algum, maior ou menor”.
As Ideias são modelos
das coisas e, por isso, segundo Platão, há tantas Ideias quantos são os gêneros
das coisas.
Uma questão difícil na
doutrina de Platão é o lugar de Deus no mundo inteligível. Ele acredita, além
da existência dos deuses, também na de um “Ser supremo”, a que chama de Demiurgo,
ou Fiturgo, criador e pai do universo, “artífice de toda sorte de objetos; a
terra, o céu, os deuses e todos os astros do firmamento e tudo o que está
debaixo da terra ele produz com o seu trabalho” (República, 596).
Platão condena
severamente os que põem em dúvida a sua existência e afirma que isso deve
proceder de um estado mental provisório influenciado por alguma desordem moral,
uma vez que são muito evidentes os indícios da existência de Deus.
Na teoria de Platão,
Deus faz parte do mundo inteligível, pois dotado de propriedades como
eternidade, incorruptibilidade, simplicidade, perfeição absoluta que só existem
em tal mundo. Mas, Deus é uma Ideia ou uma coisa?
Para Platão, Deus é
uma das Ideias soberanas (Bondade, Beleza, Unidade, Ser). Por outro lado, Deus
é apresentado como uma vitalidade e concreteza tais que nunca se encontram no
conceito platônico das Ideias.
Em síntese, Deus, para
Platão, constitui um grande mistério. No Timeu,
ele confessa: “É difícil encontrar o Autor e Pai do Universo, e, uma vez
encontrado, é muito difícil falar dele”. Lembremos, aqui, que os gregos não
dispunham dos elementos trazidos pela Revelação divina ao longo da história
judaica, nem presenciaram o ápice desta Revelação, Jesus Cristo, que nos veio
mostrar o Pai.
O mundo sensível
Platão
afirma que, no início, havia, além das Ideias (os modelos a reproduzir), o Caos
(uma matéria informa a plasmar) e o Demiurgo (o artífice soberano).
O Demiurgo,
contemplando as Ideias, plasma a matéria informe e assim produz o mundo
material. Terminada a formação do mundo, o Demiurgo infunde nele uma alma
universal, a qual tem como função conservar a vida do mundo, sem necessidade de
uma contínua intervenção do Demiurgo. A relação entre o mundo sensível e o
mundo inteligível se dá por imitação (mímesis),
ou como participação (méthekis) do
sensível no ideal.
Outras questões da filosofia
platônica
O
conhecimento, ou a questão
epistemológica, na filosofia de Platão, é uma questão delicada. Em síntese, o
filósofo considera tanto o conhecimento sensível, quanto o conhecimento
intelectivo: este, para o mundo das Ideias, aquele, para o mundo sensível,
distinguindo, portanto, a “sensação” e a “intelecção”.
Porém, entre estes
dois conhecimentos existe uma separação profunda, tão profunda que não há
nenhuma comunicação entre eles. Por isso, o conhecimento das Idéias não se dá
por meio da abstração dos seres concretos, sensíveis, materiais. Na verdade,
nós as apreendemos no Hiperurânio (o mundo das Ideias) e
lembramo-nos delas quando entremos em contato com as coisas materiais.
Há graus inferiores e
superiores de conhecimento, devidamente explicitados na alegoria do Mito da
Caverna (que já vimos anteriormente). O mito nos mostra que a passagem de um
grau para o outro se dá muito lentamente e com grande esforço, exigindo uma
conversão, uma total mudança de mentalidade.
Essa teoria de Platão
é conhecida como doutrina da reminiscência, para quem conhecer é recordar.
Ocasião para isso é o encontro com as coisas deste mundo, as quais são cópias
das Ideias.
Na psicologia de Platão, apreendemos que o
homem não é uma unidade substancial, mas acidental: essencialmente diversos, a
alma e o corpo encontram-se juntos apenas provisoriamente, durante a vida
presente. Na origem, o homem era só alma e existia no mundo das Ideias.
Depois da criação do
mundo, o Demiurgo criou os astros a partir do fogo, os pássaros a partir do ar,
os peixes a partir da água, os animais e os homens a partir da terra. Mas,
somente os astros foram feitos completamente por ele. Dos outros seres, o
Demiurgo produziu só o elemento espiritual, delegando aos deuses menores a criação
do corpo. Também nos homens, ele criou somente as almas. Depois, semeou-as,
umas na Terra, outras na Lua e outras nos astros.
Segundo Platão, o
homem tem não uma, mas três almas: a
alma racional (cabeça), a alma irascível (peito) e a alma concupiscível
(ventre). A alma racional é como o carroceiro, as outras são os dois cavalos
que puxam a carroça, sendo um bom e belo, o outro mau e feio. O cavalo bom é
obediente ao carroceiro, o outro é rebelde e dá muito trabalho ao companheiro e
ao carroceiro.
Para Platão, a alma é
imortal, sua felicidade primordial consistia na contemplação das Ideias.
Contudo, com o tempo, a alma não foi capaz de manter a contemplação e,
tornando-se pesada, caiu sobre a Terra. Provam isto: 1) o fato que nos
lembramos das Ideias (reminiscência); 2) a alma é superior ao corpo, os
prazeres do corpo são passageiros, os da alma são duradouros; 3) a participação
essencial da alma na Ideia da vida implica a sua imortalidade.
Finalmente, Platão
afirma que a alma do homem é imortal, pois todos aspiram pela sobrevivência,
alcançada de três formas: a procriação dos filhos, a glória e a filosofia, esta
última entendida como a forma mais eficaz de se atingir a imortalidade, pois se
trata de livrar-se dos estorvos deste mundo sensível e chegando ao sumo vértice
da sabedoria.
A ética de Platão permeia toda a sua filosofia: ela ensina o homem a
desprezar os prazeres, as riquezas e as honras, a renunciar aos bens do corpo e
deste mundo e a praticar a virtude. Há, na vida, uma esfera inteligível pela
qual vale a pena viver: no mundo sensível, a alma, prisioneira do corpo, é
peregrina à procura de um bem superior que perdeu. O homem está na terra apenas
de passagem. A vida verdadeira é no além, no Hades.
No Hades, a alma é
julgada segundo os critérios da justiça, da temperança e da virtude. A sentença
pode se dar de três formas: se tiver vivido na justiça, a alma receberá um
prêmio (irá para lugares maravilhosos nas ilhas felizes); se tiver vivido em
plena injustiça ao ponto de ter-se tornado incurável, receberá um castigo
eterno (será precipitado no Tártaro para sempre); se tiver cometido somente
injustiças curáveis, ou seja, se tiver vivido em parte justamente e em parte
injustamente, se se arrepender de suas injustiças, será castigada apenas temporariamente
e, depois de expiadas as culpas, receberá a recompensa que merece.
Portanto, quem pratica
a injustiça, merece mais compaixão do que quem a sofre. Na República, Platão diz que “é mais feliz o justo no meio dos
sofrimentos, do que o injusto num mar de delícias”.
Ainda, Platão ensina
que, para conseguir a felicidade, o homem deve renunciar aos prazeres e às
riquezas e dedicar-se à prática da virtude.
E o que é a virtude? Para
Platão, a virtude é o conhecimento, ao passo que a ignorância é o mal. E, sendo
o conhecimento verdadeiro um só, segue-se que também a virtude é uma só: a
conquista da verdade.
A política penetrou profundamente a filosofia de Platão, a ponto de
levá-lo a desenvolver uma filosofia política profunda e original: a nova ordem
política e o novo Estado deveriam deixar de lado a retórica e abraçar a
filosofia como instrumento, pois a filosofia é a via mais segura de acesso aos
valores de justiça e de bem, os quais são a verdadeira base da política
autêntica e, portanto, do Estado autêntico. O
pensamento político de Platão está condenado em República, Política e Leis.
Segundo
o nosso filósofo, o Estado tem sua origem no fato de que o indivíduo não basta
a si mesmo, pois ninguém pode, ao mesmo tempo, ser advogado, artesão, camponês,
professor etc. Para satisfazer às suas necessidades, os homens tiveram que se
associar uns aos outros e dividir com eles suas ocupações. Três são as classes
ideais no Estado ideal: trabalhadores, guerreiros e magistrados.
Virtude própria do
guerreiro é a coragem ou a fortaleza, a dos magistrados é a sabedoria. A união
das classes sociais é mantida elas outras duas virtudes cardeais: a justiça
(que induz os cidadãos a desempenharem perfeitamente suas funções, sem
invadirem o campo das outras classes) e a temperança (que assegura a
subordinação dos governados aos governantes).
Platão defende uma
política eugênica: somente os casais saudáveis, inteligentes e belos poderiam
ter filhos. Quando nascessem, as crianças deveriam, mesmo assim, ser separados
de seus pais para serem formados numa atmosfera exemplar, sem a influência de
fraquezas, indulgências e costumes que as possam debilitar. Os mais dotados,
devem ser destinados a ser guerreiros ou magistrados; os menos dotados, a serem
trabalhadores.
O governante ideal é o
filósofo-rei, a governar não segundo as leis preestabelecidas, mas segundo
apenas soluções que a sua sabedoria lhe sugere em cada caso. Porém, sabendo ser
quase impossível um governo assim, Platão admite a possibilidade de um rei que
governa segundo leis escritas.
O que caracteriza um
bom governo é que ele tem como finalidade o bem do homem. Não um bem qualquer,
mas aquele que conduz o homem ao seu verdadeiro bem: o bem espiritual. Assim,
para Platão, o Estado ideal é o que quer viver no Bem, na Justiça, na Verdade.
As duas formas de
governo (o filósofo-rei e o rei que governa segundo a lei), Platão opõe quatro
tipos de mau governo: a timocracia (o governo dos ambiciosos), a oligarquia (o
governo dos ricos), a democracia (o governo turbulento das massas populares) e
a tirania (que é o governo de um déspota, corrompido pelas paixões).
Aristóteles
Considerado “O
Filósofo”, Aristóteles nasceu em Estagira, em 384 a.C. Foi preceptor de
Alexandre, o Grande, e fundou o Liceu de Atenas. Após a morte de Alexandre,
retirou-se para a Eusébia, onde morreu aos 60 anos de idade, em 322 a.C.
Teve Aristóteles o
verdadeiro caráter do homem de estudo e de pensamento. Sua intensa atividade
literária é manifestada pelas suas obras, que Andrônico de Rodes dividiu em:
escritos de lógica, escritos de física, escritos de moral e política e escritos
de retórica e poética.
A gnosiologia (o estudo do
pensamento)
Para Aristóteles, a
filosofia é a ciência que resolve o problema do ser, que decifra o enigma do
universo, em face do qual a atitude inicial do espírito é o assombro do mistério. O problema
fundamental de Aristóteles é o ser, as substâncias imutáveis e a razão última
das coisas, e o objeto específico da filosofia é a solução do seu problema.
Considera-se Aristóteles com o fundador da lógica analítica,
tratando dos problemas gnosiológicos no seu escrito denominado Órganon.
A provar a validade do conhecimento, Aristóteles o faz de forma objetiva e
realista (diferentemente de Platão). A filosofia de Aristóteles é dedutiva,
partindo do particular para chegar ao universal. O método, portanto, da lógica
aristotélica é o método dedutivo, demonstrativo, apodítico. É o que chamamos de
silogismo.
É da experiência
sensível que tiramos os princípios primeiros do conhecimento de determinada
coisa, pois os sentidos nunca nos enganam. O erro começa com uma falsa
elaboração dos dados dos sentidos.
A respeito da razão,
temos um conhecimento indutivo, ou seja, abstrativo, em
que se dá a desindividualização do universal do particular. Formam-se os
conceitos de forma a posteriori, ou seja, depois da experiência.
Aristóteles sustenta ser impossível uma indução completa, motivo pelo qual a
indução incompleta, mas imediata, se dá de forma a priori.
A metafísica
A metafísica de
Aristóteles é a “ciência do ser como ser, ou dos princípios e das causas do ser e dos seus
atributos essenciais”. O seu tratado de metafísica pode ser divido em
geral e especial, que tem como objeto o mundo que “vem-a-ser” – a natureza e o
homem – culminando no que não pode “vir-a-ser”, isto é Deus. Modernamente, é o
que denominamos Ontologia Geral (o mundo) e Específica, ou teodicéia (Deus).
Na metafísica geral,
Aristóteles trata dos seguintes argumentos:
·
A
doutrina do ato e da potência: potência significa possibilidade, capacidade
de ser, não-ser atual; e ato significa realidade, perfeição, ser efetivo. Todo
ser que não é perfeitíssimo é um misto de ato e de potência, em diversas
proporções, de acordo com sua perfeição. Aristóteles aplica esta ideia à
questão da matéria e da forma;
·
A
doutrina da matéria e da forma: Aristóteles não nega o devir de Heráclito,
nem o ser de Parmênides, mas une-os. Segundo o nosso filósofo, a mudança
pressupõe uma realidade imutável como referencial da mudança. Esta realidade
imutável pode ser de duas espécies: um substrato comum (ou matéria), em que a
mudança se realiza, e um substrato específico (a forma). A primeira é potência, a segunda é ato. A
mudança consiste na sucessão de várias formas na idêntica matéria. Não há,
portanto, matéria sem forma, nem forma sem matéria. A forma é princípio de
atuação e de determinação da matéria. Forma e matéria são os elementos
constitutivos da realidade física. Mas, o que explica a realidade efetiva das
coisas? Ou seja, qual o “motor” da mudança? Aristóteles afirma a causa
eficiente, que opera na realidade, com vistas a um fim (a causa
final, que dirige a causa eficiente para a atualização da matéria
mediante a forma).
·
A doutrina do particular e do universal:
mediante a doutrina da matéria e da forma, Aristóteles explica o indivíduo, a
substância física, a única realidade efetiva no mundo, que é precisamente
síntese de matéria e forma. A essência, igual em todos os
indivíduos da mesma espécie, deriva da forma; a individualidade, pela
qual toda substância é original e se diferencia de todas as demais, depende da
matéria. O indivíduo, portanto, é potência realizada, matéria enformada,
universal particularizado. Mediante esta doutrina e explicado o problema o
universal e do particular.
·
A doutrina
do motor e da coisa movida: da relação entre potência e ato, entre matéria
e forma, surge o movimento, a mudança, o vir-a-ser, a que é submetido tudo que
tem matéria, potência. A mudança é, portanto, a realização do possível. Esta
realização do possível, porém, pode ser levada a efeito unicamente por um ser
que já está em ato, que possui já o que a coisa movida deve vir-a-ser, visto
ser impossível que o menos produza o mais, o imperfeito o perfeito, a potência
o ato, mas, sim, vice-e-versa. Mesmo que um ser se mova a si mesmo, aquilo que
move deve ser diverso daquilo que é movido, deve ser composto de um motor e de
uma coisa movida. Por exemplo, a alma é que move o corpo. O motor pode ser
unicamente ato, forma; a coisa movida pode ser unicamente potência, matéria.
Eis a grande doutrina aristotélica do motor e da coisa movida, que
culmina no motor primeiro, absolutamente imóvel, ato puro, isto é, Deus.
A cosmologia
A
questão da filosofia da natureza, em Aristóteles, trata e analisa os vários tipos de movimento, de mudança (passagem da
potência ao ato), quais sejam 1) o movimento substancial (mudança de forma,
nascimento e morte); 2) movimento qualitativo (mudança de propriedade); 3)
movimento quantitativo (acréscimo e diminuição); 4) movimento espacial (mudança
de lugar).
Ainda, trata Aristóteles do espaço e do tempo.
O espaço é definido como sendo o limite do corpo; o tempo é definido como sendo
a medida do movimento segundo o aspecto do “antes” e do “depois”. Assim sendo,
na concepção de Aristóteles, tempo e espaço somente podem ser entendidos na
dinâmica do mundo, não se admitindo tempo e espaço fora dele.
Aristóteles afirma, em
eu teleologismo – ou finalismo – que
a natureza faz, enquanto possível, sempre o que é mais belo. Fim de todo o
devir é o desenvolvimento da potência ao ato, a realização da forma na matéria.
A respeito das ciências químicas, físicas e astronômica, Aristóteles atribui
valor meramente histórico.
A psicologia
Para
o Estagirita, o mundo é animado, ou seja, tem por princípio a alma e se
distingue essencialmente do mundo inorgânico. Aristóteles distingue a alma
vegetativa, a alma sensitiva e a alma racional. Somente o homem possui alma
racional. Diferentemente de Platão, o corpo não é a “prisão” da alma, mas seu
instrumento.
O homem é uma unidade
substancial de alma e corpo. O que caracteriza a alma humana é a racionalidade,
a inteligência, o pensamento, pelo que a faz espírito. O que
caracteriza o corpo é a sensibilidade, que permite o conhecimento sensível.
Como já vimos acima, a sensação é objetiva, sempre verdadeira com respeito ao
objeto conhecido. Mas, acima do conhecimento sensível, sempre estará o
conhecimento racional, de modo que Aristóteles aceita a distinção platônica de
sensação e de pensamento. Porém, não temos ideias inatas, somos, na verdade,
uma tabula
rasa.
O objeto do sentido é o particular, o contingente, o
mutável, ao passo que o objeto do intelecto é o universal, o necessário, o
imutável.
Duas são as atividades da alma: o apetite e a
vontade. O apetite é o conhecimento guiado pelo conhecimento sensível, e é
próprio da alma animal. Já a vontade é o impulso, ou o apetite guiado pela
razão, que é própria da alma racional.
A teologia
O objeto da teologia
de Aristóteles é o motor imóvel, ato puro, pensamento do pensamento, ou seja,
Deus, a quem o filósofo chega através de uma sólida demonstração baseada na
experiência, na realidade do vir-a-ser. Como dito acima, a mudança pressupõe um
referencial, que é a estabilidade, não encontrada no mundo sensível. Em outras
palavras, necessária é a existência de um motor imóvel, que não se mova, mas
que promova o movimento.
Deus, o real
puro, é aquilo que move sem ser movido; a matéria, o possível
puro, é aquilo que é movido, sem se mover a si mesmo.
Do conceito de Deus,
Aristóteles passa à análise de sua natureza essencial: é ato puro e a causa
final do mundo material.
A moral
Todo
ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à concretização plena
de sua forma. E nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade e, por
consequência, a sua lei. Haja vista ser a razão a característica essencial do
homem, ele realiza a sua natureza vivendo racionalmente, e sendo consciente
disto. Somente desta maneira, o homem alcança a felicidade e a virtude. Logo, o
fim do homem é a felicidade, para a qual é necessária a virtude que, por sua
vez, necessita da razão. Em síntese, a
ética aristotélica vislumbra a supremacia do conhecimento e do intelecto sobre
a mera vontade.
A política
O Estado é um organismo moral, condição da atividade moral
individual. Contudo, a política distingue-se da moral, que tem como objeto o
indivíduo (a política tem como objeto a coletividade). A ética é a doutrina
moral individual, a política é a doutrina moral social. O Estado é composto
pela comunidade das famílias, composta, segundo Aristóteles, pelos filhos, a
mulher, os bens e os escravos. Ao chefe, cabe a direção geral. A fim de que a
propriedade seja produtora, são necessários instrumentos animados e inanimados
(os escravos, a quem Aristóteles não nega a natureza humana) e os diversos
instrumentos. O Estado surge porque o homem é um animal político,
naturalmente social. Porém, o fim do Estado é essencialmente espiritual e,
portanto, pedagógico.