terça-feira, 24 de julho de 2012

Nota de Aula I


NOTA DE AULA I

Unidade I – Introdução Geral à Filosofia
Fontes:            MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia. Lições Preliminares. São Paulo: Mestre Jou, 1964.
            PADOVANI, Umberto & CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. 15. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1990.

            O que é a filosofia? Parece-nos tarefa complicada definir o que seja a filosofia, pois não se pode definir filosofia antes de fazê-la. A filosofia é algo que o homem faz, que o homem tem feito. Uma ciência, uma disciplina, um “fazer” humano qualquer, recebe seu conceito quando o homem já domina este fazer. Só se sabe o que é filosofia quando se é realmente um filósofo.
            Isto significa que a filosofia, mais do que qualquer outra disciplina necessita ser vivida. Em outras palavras, necessitamos ter da filosofia uma “vivência”.
Henri Bergson (1859-1941), filósofo e diplomata francês, dá-nos um exemplo do que seja vivência: uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de Paris; estudá-lo muito bem; observar um por um os diferentes nomes das ruas; estudar suas direções; depois, pode estudar os monumentos que há em cada rua; pode estudar os planos desses monumentos; pode revistar as séries das fotografias do Museu do Louvre, uma por uma.
Depois de ter estudado o mapa e os monumentos, pode este homem procurar para si uma visão das perspectivas de Paris mediante uma série de fotografias tomadas de múltiplos pontos. Pode chegar dessa maneira a ter ideia bastante clara, claríssima, pormenorizadíssima de Paris. Semelhante ideia poderá is aperfeiçoando-se cada vez mais, à medida que os estudos deste homem forem cada vez mais minuciosos; mas, sempre será um simples ideia. Ao contrário. Vinte minutos de passeio a pé por Paris são uma vivência.
Entre vinte minutos de passeio a pé por uma rua de Paris e a mais vasta e minuciosa coleção de fotografias, há um abismo. Isso é uma simples ideia, uma representação, um conceito, uma elaboração intelectual; no entanto, aquilo é colocar-se realmente em presença do objeto, isto é, vivê-lo, viver com ele; tê-lo próprio e realmente na vida; não o conceito, que o substitua; não a fotografia, que o substitua; não o mapa, não o esquema, que o substitua, mas ele próprio.
Pois, caros alunos, o que vamos fazer nesta disciplina é viver a filosofia. Mas, para vivê-la, é preciso explorá-la, como se entra numa selva. Neste momento da nossa primeira exploração, não viveremos a primeira totalidade deste território que se chama filosofia. Passaremos apenas por algumas avenidas, conheceremos alguns de seus jardins, viveremos realmente algumas de suas questões, outras, porém, sequer saberemos que existem.
Tentaremos, em nossa disciplina de Filosofia e Ética, ou Filosofia do Direito, se quiserem alguns, tentaremos viver a realidade filosófica. Conheceremos o seu objeto e o seu método, passaremos de relance nos principais recônditos da história da filosofia, partindo da antiguidade, passando pelo médio evo (idade média) e pela filosofia moderna, até chegar nas tendências contemporâneas.
Ousaremos dar uma definição de filosofia, sempre bem lembrados dos seus maiores pensadores, os filosofos gregos, abordaremos a iluminação que dá a filosofia ao Direito e à Contabilidade, quando seremos convidados a dar o “tom” para a nossa vida de operadores do direito ou de administradores, e, finalmente, chegaremos ao ápice da disciplina, quando analisaremos as questões éticas que agora surgem e que nos acompanharão pelo resto de nossas vidas.
Portanto, muito mais que uma “disciplina”, gostaria que nossos momentos em sala e fora dele fossem vistos como “vivências”.



O conceito de filosofia

            Mas, o que é mesmo filosofia?
Todos sabemos o que a palavra filosofia, na sua estrutura verbal, significa.
Na Idade Antiga, É formada pelas palavras gregas philos e sophia, que, unidas, significam “amor à sabedoria” O filósofo é o “amante da sabedoria”. Assim a definia o grande Sócrates, filósofo grego da antiguidade (469a.C.-399a.C.).
Porém, este significado dura pouco tempo na história. Heródoto, o pai da História (485a.C.- 420a.C.), trata a filosofia não somente como amor à sabedoria, mas, como “a própria sabedoria”.
Aqui, já se delineia para nós um primeiro problema. Se a filosofia é a sabedoria, que tipo de saber a filosofia é? Pois há muitas classes de saber: há o saber que todos temos sem ter aprendido nem refletido sobre nada (o saber inato – o bebê que chora e obtém alimento); há um saber que temos sem tê-lo procurado (o saber aprendido – o senso comum, a opinião); e, finalmente, há outro saber que não temos senão quando o procuramos, e que, se não o procuramos, não o temos (o saber construído – o saber científico, racional).
Em simples palavras, distingue-se a simples opinião do conhecimento fundamentado, racional. Com esta distinção, Platão (428a.C.-348a.C.), aluno de Sócrates e mestre de Aristóteles (384a.C.-322a.C.), inicia a sua doutrina.
Platão distingue a doxa (a opinião, o saber que temos sem tê-lo procurado) da epistéme (a ciência, o saber que temos por tê-lo procurado. Platão vai definir que a filosofia não é um saber qualquer, mas, um saber especial que temos, que adquirimos depois de tê-lo procurado e de tê-lo procurado metodicamente, por meio de algum método, ou seja, seguindo determinados caminhos, aplicando determinadas funções mentais à pesquisa.
Para Platão, o método da filosofia é a dialética, ou seja, quando não sabemos nada, ou o que sabemos, o sabemos sem tê-lo procurado, então este saber não vale nada. Porém, quando nada sabemos, mas queremos saber, quando queremos aproximar-nos ou chegar a essa epistéme, a este saber racional e reflexivo, temos que aplicar um método para encontrá-lo. Este método é a dialética.
A dialética, segundo Platão, consiste em supor que o que queremos averiguar é tal coisa ou tal outra; isto é, antecipar o saber que procuramos, mas logo depois negar e discutir essa tese ou essa afirmação que fizemos e depurá-la em discussão. A dialética é uma espécie de diálogo consigo mesmo. Por fim, quando chegamos a um conhecimento que resiste às discussões dialogadas ou dialéticas, então temos o saber filosófico, a sabedoria autêntica, a epistéme, ou, como chamava Platão, a ciência.
Com Platão, portanto, a palavra filosofia adquire o sentido de saber racional, saber reflexivo, saber adquirido mediante o método dialético.
Aristóteles, que foi discípulo de Platão, aprofunda a definição e afirma que a filosofia designa a totalidade dos conhecimentos humanos. Todas as coisas que o homem conhece e o conhecimento dessas coisas, todo esse conjunto do saber humano, designa-o Aristóteles com a palavra filosofia. O estagirita (Aristóteles), subdividiu o saber filosófico em: lógica, física, metafísica e ética.
A lógica, na época de Aristóteles, era a parte da filosofia que estudava os meios de adquirir o conhecimento, os métodos do pensamento humano para chegar a conhecer ou as diversas maneiras de que se vale para alcançar o conhecimento do ser das coisas.
A física designava a segunda parte da filosofia, sendo o conjunto de nosso saber acerca de todas as coisas, fossem quais fossem. Todas as coisas, e a alma humana entre elas, estavam dentro da física. Por isso, a psicologia, para Aristóteles, formava parte da física, e a física, por sua vez, era a segunda parte da filosofia.
A metafísica, que tinha esse nome por vir “além da física”, é a ramificação da filosofia que estuda o ente, ou seja, o ser das coisas. Mais especificamente, estuda a essência de todos os seres existentes (ou seja, o que faz um ser ser este ser e não ser outro ser) e seus caracteres comuns, ou seja, a bondade, a verdade, a beleza e a unidade. Chamamos a metafísica de “filosofia pura”, que muito nos ajudará em nossa disciplina.
A ética era o nome geral com que se designava na Grécia, na época de Aristóteles, todos os nossos conhecimentos acerca das atividades do homem; o que o homem é; o que o homem produz, que não está na natureza, que não forma parte da física, mas antes é feito pelo homem. O homem, por exemplo, faz o Estado, vai à guerra, tem família, é músico, poeta, pintor, escultor, advogado, administrador. Pois tudo isso compreendia Aristóteles sob o nome de ética, uma de cujas subpartes era a política.
Na Idade Média que, longe de ser a “idade das trevas” foi a época em que o pensamento e as ciências começaram a se desenvolver, o conceito de filosofia permanece o mesmo, sendo iluminada pelo pensamento teológico. O saber humano, durante a Idade Média, dividiu-se em dois grandes setores: teologia e filosofia. A teologia são os conhecimentos acerca de Deus e a filosofia os conhecimentos humanos acerca das coisas da Natureza, e até mesmo de Deus, por via racional.
Este raciocínio adentrou o século XVII. Assim, o livro em que Isaac Newton expõe a teoria da gravitação universal chama-se “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica”, ou seja, Princípios matemáticos da filosofia natural. Em síntese, a palavra filosofia, significava o mesmo que na Idade Média, ou seja, a ciência total das coisas.
Ainda hoje, na Alemanha, há as Faculdades de Filosofia, que estudam a química, a física, as matemáticas, a ética, a psicologia, a metafísica, a ontologia.
Na Idade Moderna, o imenso campo da filosofia começa a se repartir, com o surgimento das “ciências particulares”. Estas, não apenas têm seu método próprio, ou objeto e progressos próprios, como também seus cultivadores vão igualmente se especializando. Descartes (1596-1650), ao mesmo tempo é filósofo, matemático e físico. Leibniz (1646-1716), também. De ambos, porém, já se pode dizer o mesmo de Aristóteles: o filósofo. Contudo, já Kant (1724-1804) talvez não soubesse toda a matemática de seu tempo, nem a totalidade dos conhecimentos físicos ou biológicos.
A partir do século XVIII, não resta nenhum espírito humano capaz de conter numa só unidade a enciclopédia do saber humano, deixando a filosofia de ser a “enciclopédia” do saber.
Então, o que é a filosofia?
Diante das peripécias da história, voltamos, na Idade Contemporânea ao conceito primordial de filosofia: a ciência que estuda todas as coisas, haja vista a possibilidade de todas as ciências serem iluminadas pela filosofia, como no caso do Direito ou da Contabilidade.
A essência (o que faz um ente ser este e não outro) de todos os seres – de Deus ao micróbio – é objeto de estudo da filosofia que, com sua busca pela “causa primeira”, dá as explicações necessárias para se chegar a conclusões “espantosas”, como veremos nesta disciplina.
A filosofia é amor à sabedoria, razão que a faz próxima de todos os seres e de todas as ciências. A filosofia é uma ciência necessária para entender a história, as ciências positivas, a arte, a religião, a política, a moral, o direito, a realidade toda e, em especial, o problema da vida, que pede uma solução racional.
É ciência, porque é conhecimento das coisas pelas suas causas, que são as razões das coisas; é ciência pelas causas primeiras, porque, para explicar plenamente a realidade, deve-se transcender a experiência e chegar até as causas primeiras das coisas; resolve o problema da vida, porque unicamente à filosofia, como ciência das causas primeiras, dá a indicação do fim último do homem, a que ficam subordinados todos os outros fins.
Pode-se, neste momento, explanar que três são os problemas básicos da filosofia: o problema gnosiológico, ou seja, do conhecimento, visto ser necessário certificarmo-nos de nossas capacidades cognoscitivas, antes de proceder à exploração do ser, e especialmente à exploração filosófica do ser; o problema metafísico, cuja solução consiste na penetração integral deste mesmo ser em suas distinções fundamentais (Deus, alma, mundo); o problema moral, da vida, que se resolve com base na metafísica, reveladora da essência última da realidade.
Quanto ao método, podemos dizer que é indutivo, ou seja, parte da experiência, como todo saber humano. Mas, a filosofia não é um conhecimento meramente empírico. Enquanto as outras ciências se restringem ao âmbito da experiência (às causas segundas), a filosofia transcende-o (até às causas primeiras), para explicar inteiramente a experiência/realidade.


A atitude filosófica

            Se a coisas que nos cercam fossem perfeitamente previsíveis, se o mundo dos outros e o nosso mundo, o universo na sua indefinível vastidão fosse realidades “expostas” sem o poder de despertar surpresa em nós, a filosofia jamais teria nascido, nem o pensar e, consequentemente, a descoberta do problema, a vontade de pesquisar, as tentativas de solução, o próprio mundo da cultura e da história humana.
            Para nós, o “fato dado” não são suficientes. Não basta que se manifeste como “algo feito” e como “algo dado”, se continua no ar a questão do seu porquê, por que assim e por quem, ou por que foi feito assim, e não daquela forma?
            Se tudo se apresentasse tal como é, sem causar espanto, tudo permaneceria na sua inabalável fixidez original, como acontece, aliás, com o mundo animal e vegetal (jamais um animal será “filósofo”). Esta mesma realidade, contudo, lança perguntas ao homem às quais ele tem procurado dar uma resposta.
            Na sua obra Metafísica, Aristóteles afirmou que “os homens começam e sempre começaram a filosofar movidos pela admiração”. E Platão, no Teeteto, asseverou que “a admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não tem outra origem a filosofia”. Mesmo que o cotidiano insista em sufocar o filósofo que há em nós (e não devemos permitir isso!), o “assombro” que sentimos perante a grandeza de tudo o que há faz com que nos perguntemos: o que é a realidade em si mesma? O que há por trás daquilo que vejo, ouço e toco? O que é o espaço? O que é tempo? Se o que aconteceu há um segundo atrás já é passado, será que o presente não é uma ilusão? Será que tudo o que acontece é sempre antecedido por causas? O que é a felicidade? Como alcançá-la? O que é a liberdade? O que é o certo e o errado?
            E, as perguntas mais fascinantes: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou?
            Tais questionamentos são tipicamente filosóficos e refletem algo que chamamos de atitude filosófica perante o mundo e perante nós mesmos. Por serem óbvias (mas, não tanto) algumas dessas perguntas são descartadas e muitos sequer param para tentar solucioná-las.
O senso comum não colocaria em questão máximas como “matar é errado”, “a liberdade de expressão é um valor indispensável”, “sou livre”. Contudo, a atitude filosófica não reconhece limites à investigação, de modo que o filósofo sempre se questionará: sou livre?
E sempre se submeterá ao exame crítico, racional e argumentativo, de modo que nossa adesão seja sempre fruto da consciência. Ou seja, a proposta da filosofia é a de que nossas decisões e conclusões sejam sustentados de maneira crítica e refletida.
É a atitude filosófica uma espécie de habilidade ou capacidade de se admirar com as coisas. Ter uma atitude filosófica é possuir um olhar crítico sobre a realidade. É questionar o inquestionável. É trazer à reflexão o que já foi estabelecido no senso comum e isso é o primeiro passo para a compreensão do caos do mundo.
A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as ideias, os fatos, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana é próprio da filosofia. Jamais aceitar algo, sem antes estudá-lo e compreendê-lo. 
Segundo Sócrates, a primeira e fundamental verdade filosófica é dizer “só sei que nada sei”. Neste sentido, a filosofia nasce de uma situação de tensão e questionamento.
Consciência é uma característica do ser humano, que o permite estar no mundo com algum saber, por isso, a biologia classifica o homem atual como sapiens (o ser que sabe que sabe). O animal, porém, não tem a consciência de que sabe. Do contrário, estaria apenas disputando territórios conosco, por exemplo. 
O escritor alemão Wolfgang Goethe (1749-1832) dizia que “o homem só conhece o mundo dentro de si se toma consciência de si mesmo dentro do mundo”. Assim, o desenvolvimento da conscientização humana depende da superação do isolamento e do alheamento.
O pai da filosofia moderna, Descartes, já citado acima, dizia que a essência do homem é pensar, em que o pensamento faz a grandeza ou a pequenez do homem. Assim, é preciso fugir do senso comum - uma série de crenças admitidas por um determinado grupo social e que seus membros acreditam serem compartilhadas por todos os homens. 
Muitas dessas concepções do senso comum de um povo ou de uma classe social se transformam em frases feitas ou em ditados populares, como por exemplo: “Homem que é homem não chora”; “lugar de mulher é na cozinha”; “filho de peixe, peixinho é”.
Alguns desses exemplos de sabedoria popular podem esconder ideias falsas, parciais ou preconceituosas. O povo aceita, repete e defende determinada ideia, mas não sabe explicá-la. Trata-se, portanto, de um conhecimento adquirido sem uma base crítica, precisa, coerente.
Uma ilustração da atitude filosófica nos é dada por Platão, em uma de suas alegorias, chamada “Mito da Caverna”. Vejamos o vídeo:

O quadro abaixo nos dá uma ideia das características da atitude filosófica:

CARACTERÍSTICAS DA ATITUDE FILOSÓFICA
O USO CRÍTICO DA RAZÃO
A ATITUDE PROBLEMATIZANTE
A AUTONOMIA
A NECESSIDADE DE COMPREENDER AS QUESTÕES MAIS FUNDAMENTAIS DA EXPERIÊNCIA HUMANA
Para a filosofia, as nossas crenças e opiniões não podem ser aceitas sem justificação. Temos de as defender com argumentos.
Argumentos com os quais não estejamos de acordo devem ser refutados com contra – argumentos e nunca com um simples “não”.
Ao interrogar as nossas crenças mais fundamentais, a filosofia pretende que pensemos se não estamos errados, não para nos desiludir, mas para que procuremos ter uma compreensão mais alargada do mundo e de nós mesmos.
A filosofia transforma as nossas crenças em problemas, ou seja, coloca a questão “será isso verdade?” “Há boas razões para acreditar que isso seja verdade?”. O que parece evidente e bem estabelecido é para ser discutido.
Como dizia Kant, filosofar é ousar pensar por si. A atitude filosófica é incompatível com a dependência em relação a gurus ou orientadores espirituais e ao que a maioria julga ser a verdade.

Ao transformar algumas das nossas crenças em problemas, a filosofia pretende que olhemos para o mundo como se fosse a primeira vez que o encontrássemos. Assim, o conjunto de crenças estabelecidas a que nos habituamos, que nos dava segurança e orientação no mundo, é questionado. Reencontramos deste modo as questões mais profundas e misteriosas da nossa existência.


Especificidade da Filosofia

            Do que se disse até então, já se pode concluir que a filosofia ocupa um lugar específico no rol das ciências, haja vista a especificidade do seu método e do seu objeto. Senão, vejamos.
            Descartes, de quem já falamos nesta aula, faz da intuição o método primordial de sua filosofia, método que floresce e impera entre os filósofos modernos (e deita raízes na filosofia antiga). Assim, os idealistas alemães (Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer) e diversas escolas filosóficas. Necessário, porém, é entendermos o que é a intuição, em que a intuição consiste.
            Em primeiro lugar, a intuição se nos oferece como um meio de chegar ao conhecimento de algo, e se contrapõe ao conhecimento discursivo. Este tipo de conhecimento – o discursivo, ou dedutivo – chega ao fim proposto mediante uma série de esforços sucessivos que consistem em ir fixando teses que logo serão contraditas, melhoradas, subtraídas por outras novas teses. É um método indireto, foi chega ao objeto do conhecimento depois de muitos rodeios.
            O método intuitivo ou indutivo é exatamente o contrário!
            A intuição ou indução consiste num único ato da inteligência que, de repente, lança-se sobre o objeto, apreende-o, fixa-o, determina-o com uma só visão da alma. Por isso a palavra “intuição” tem relação com a palavra “intuir” que, em latim, significa “ver” (diferente de “videre”, que é enxergar com os olhos). A intuição é “ver com os olhos interiores”, ou seja, é contemplar.
            Em simples palavras: a intuição, método da filosofia, vai diretamente ao objeto. Por ela, obtém-se um conhecimento imediato, não mediato.
            Daí, falar-se em intuição sensível, numa comunicação direta entre a pessoa e o objeto, ou seja, quando, com um só olhar físico, contempla-se um copo, uma mesa, uma paisagem; a intuição espiritual, quando aplicamos nossa inteligência a pensar sobre determinado objeto que não é sensível (por exemplo, que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo, que o azul não é vermelho...) e a intuição intelectual, que é a intuição filosófica.
            A intuição intelectual é um esforço para captar diretamente, mediante um ato da inteligência, a essência, ou seja, aquilo que o objeto é.
E isto se dá mediante a abstração, que é a atividade intelectual primordial do filósofo. Abstrair significa separar do objeto sensível o seu conceito. Assim, quando contemplávamos a primeira “caneta” com que tivemos contato em nossa vida, fizemos a abstração, ou seja, a separação do conceito daquela caneta concreta, que nem sabemos mais onde está. Contudo, o conceito está em nossa razão, como uma ideia, que, nada mais é que a essência daquela caneta.
Este é o método da filosofia: o método intuitivo ou indutivo intelectual, ou seja, aquele que nos permite, com um único lance da razão, abstrair dos seres diversos a sua essência.
E o objeto da filosofia? Todos os seres podem ser postos à luz da intuição, desde Deus, de quem se ocupa a metafísica, no capítulo específico chamado “teodiceia”, até o micróbio que passeia por debaixo dos nossos sapatos. Todos os seres e toda a realidade (os eventos da vida, ou fenômenos) podem ser objeto da filosofia que, sobre eles, lança sua luz.
Sintetizando: a filosofia é uma ciência, pois tem seu método (o indutivo) e seu objeto (toda a realidade), do que se deduz ser a filosofia um saber completo e complementador de outras disciplinas, como o direito, a teologia, a biologia, a enfermagem, ou a administração.
Nesta disciplina, em que se dá enfoque à filosofia voltada para a Ciência Jurídica e para as Ciências Contábeis (objetos da filosofia), faremos permanentemente o exercício da intuição, ou seja, procuraremos lançar nossas faculdades intelectuais para abstrair o que, de fato, são nossas áreas de atuação.

Os grandes temas da filosofia

            Dissemos acima que objeto da filosofia é toda a realidade. Contudo, este conhecimento é sistemático, de tal forma que pode a filosofia dividir-se em duas grandes áreas, duas grandes ciências: a ontologia (ou o estudo do ser, também chamado de “ente”) e a gnosiologia (o estudo de como o ente pode ser conhecido).
            Na ontologia, estuda-se os objetos, todos os objetos, qualquer objeto corpóreo ou não, real ou ideal. Na gnosiologia, estuda-se o conhecimento, ou a forma como se dá o conhecimento destes objetos.
Atente-se para o fato de que as disciplinas filosóficas já mencionadas nesta aula (ética, estética, filosofia da religiosa, da psicologia, do direito, da história, da linguagem, da ciência etc.), tendem a “afunilar”, ou particularizar os campos da filosofia. Assim, na filosofia do direito, por exemplo, vamos estar não apenas a forma como se dá o conhecimento do direito (gnosiologia), bem como o próprio ser do direito (ontologia), a partir de questionamentos tais como “o que é o direito? é possível conhecer o direito?
Passando de relance a história da filosofia vamos abordar os mais variados assuntos que ocuparam filósofos desde a antiguidade clássica (como o problema da origem do mundo, do homem e o problema de Deus), passando pela filosofia patrística (como o problema da liberdade e do livre-arbítrio), medieval (como a centralidade do homem no universo e sua dependência com relação a Deus), até chegar na filosofia moderna e contemporânea, em que problemas já refletidos pelos filósofos do passado voltam à tona, para responder a questões atuais, como aborto, clonagem, honestidade etc.


Para concluir esta aula, vejamos esta interpretação do Mito da Caverna (pela filósofa Viviane Mozé, apresentada no Fantástico) e tiremos nossas conclusões:


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