NOTA DE AULA I
Unidade I –
Introdução Geral à Filosofia
Fontes: MORENTE,
Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia.
Lições Preliminares. São Paulo: Mestre Jou, 1964.
PADOVANI, Umberto
& CASTAGNOLA, Luís. História da
Filosofia. 15. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
O
que é a filosofia? Parece-nos tarefa complicada definir o que seja a filosofia,
pois não se pode definir filosofia antes de fazê-la. A filosofia é algo que o
homem faz, que o homem tem feito. Uma ciência, uma disciplina, um “fazer”
humano qualquer, recebe seu conceito quando o homem já domina este fazer. Só se
sabe o que é filosofia quando se é realmente um filósofo.
Isto
significa que a filosofia, mais do que qualquer outra disciplina necessita ser
vivida. Em outras palavras, necessitamos ter da filosofia uma “vivência”.
Henri Bergson
(1859-1941), filósofo e diplomata francês, dá-nos um exemplo do que seja
vivência: uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa de Paris; estudá-lo
muito bem; observar um por um os diferentes nomes das ruas; estudar suas
direções; depois, pode estudar os monumentos que há em cada rua; pode estudar
os planos desses monumentos; pode revistar as séries das fotografias do Museu
do Louvre, uma por uma.
Depois de ter
estudado o mapa e os monumentos, pode este homem procurar para si uma visão das
perspectivas de Paris mediante uma série de fotografias tomadas de múltiplos
pontos. Pode chegar dessa maneira a ter ideia bastante clara, claríssima,
pormenorizadíssima de Paris. Semelhante ideia poderá is aperfeiçoando-se cada
vez mais, à medida que os estudos deste homem forem cada vez mais minuciosos;
mas, sempre será um simples ideia. Ao contrário. Vinte minutos de passeio a pé
por Paris são uma vivência.
Entre vinte
minutos de passeio a pé por uma rua de Paris e a mais vasta e minuciosa coleção
de fotografias, há um abismo. Isso é uma simples ideia, uma representação, um
conceito, uma elaboração intelectual; no entanto, aquilo é colocar-se realmente
em presença do objeto, isto é, vivê-lo, viver com ele; tê-lo próprio e
realmente na vida; não o conceito, que o substitua; não a fotografia, que o
substitua; não o mapa, não o esquema, que o substitua, mas ele próprio.
Pois, caros
alunos, o que vamos fazer nesta disciplina é viver a filosofia. Mas, para
vivê-la, é preciso explorá-la, como se entra numa selva. Neste momento da nossa
primeira exploração, não viveremos a primeira totalidade deste território que
se chama filosofia. Passaremos apenas por algumas avenidas, conheceremos alguns
de seus jardins, viveremos realmente algumas de suas questões, outras, porém,
sequer saberemos que existem.
Tentaremos, em
nossa disciplina de Filosofia e Ética, ou Filosofia do Direito, se quiserem
alguns, tentaremos viver a realidade filosófica. Conheceremos o seu objeto e o
seu método, passaremos de relance nos principais recônditos da história da
filosofia, partindo da antiguidade, passando pelo médio evo (idade média) e
pela filosofia moderna, até chegar nas tendências contemporâneas.
Ousaremos dar
uma definição de filosofia, sempre bem lembrados dos seus maiores pensadores,
os filosofos gregos, abordaremos a iluminação que dá a filosofia ao Direito e à
Contabilidade, quando seremos convidados a dar o “tom” para a nossa vida de
operadores do direito ou de administradores, e, finalmente, chegaremos ao ápice
da disciplina, quando analisaremos as questões éticas que agora surgem e que
nos acompanharão pelo resto de nossas vidas.
Portanto,
muito mais que uma “disciplina”, gostaria que nossos momentos em sala e fora
dele fossem vistos como “vivências”.
O conceito de filosofia
Mas,
o que é mesmo filosofia?
Todos sabemos
o que a palavra filosofia, na sua estrutura verbal, significa.
Na Idade Antiga, É formada pelas
palavras gregas philos e sophia, que, unidas, significam “amor à sabedoria” O filósofo é o “amante
da sabedoria”. Assim a definia o grande Sócrates, filósofo grego da antiguidade
(469a.C.-399a.C.).
Porém, este
significado dura pouco tempo na história. Heródoto, o pai da História (485a.C.-
420a.C.), trata a filosofia não somente como amor à sabedoria, mas, como “a
própria sabedoria”.
Aqui, já se
delineia para nós um primeiro problema. Se a filosofia é a sabedoria, que tipo de saber a filosofia é? Pois há
muitas classes de saber: há o saber que todos temos sem ter aprendido nem
refletido sobre nada (o saber inato – o bebê que chora e obtém alimento); há um
saber que temos sem tê-lo procurado (o saber aprendido – o senso comum, a
opinião); e, finalmente, há outro saber que não temos senão quando o
procuramos, e que, se não o procuramos, não o temos (o saber construído – o
saber científico, racional).
Em simples
palavras, distingue-se a simples opinião do conhecimento fundamentado,
racional. Com esta distinção, Platão (428a.C.-348a.C.), aluno de Sócrates e
mestre de Aristóteles (384a.C.-322a.C.), inicia a sua doutrina.
Platão
distingue a doxa (a opinião, o saber
que temos sem tê-lo procurado) da epistéme
(a ciência, o saber que temos por tê-lo procurado. Platão vai definir que a
filosofia não é um saber qualquer, mas, um saber especial que temos, que
adquirimos depois de tê-lo procurado e de tê-lo procurado metodicamente, por
meio de algum método, ou seja, seguindo determinados caminhos, aplicando
determinadas funções mentais à pesquisa.
Para Platão, o
método da filosofia é a dialética,
ou seja, quando não sabemos nada, ou o que sabemos, o sabemos sem tê-lo
procurado, então este saber não vale nada. Porém, quando nada sabemos, mas
queremos saber, quando queremos aproximar-nos ou chegar a essa epistéme, a este saber racional e reflexivo, temos que aplicar um método para
encontrá-lo. Este método é a dialética.
A dialética,
segundo Platão, consiste em supor
que o que queremos averiguar é tal coisa ou tal outra; isto é, antecipar o
saber que procuramos, mas logo depois negar e discutir essa tese ou essa
afirmação que fizemos e depurá-la em discussão. A dialética é uma espécie de
diálogo consigo mesmo. Por fim, quando chegamos a um conhecimento que resiste
às discussões dialogadas ou dialéticas, então temos o saber filosófico, a
sabedoria autêntica, a epistéme, ou, como chamava Platão, a ciência.
Com Platão,
portanto, a palavra filosofia adquire o sentido de saber racional, saber
reflexivo, saber adquirido mediante o método dialético.
Aristóteles,
que foi discípulo de Platão, aprofunda a definição e afirma que a filosofia
designa a totalidade dos conhecimentos humanos. Todas as coisas que o homem
conhece e o conhecimento dessas coisas, todo esse conjunto do saber humano,
designa-o Aristóteles com a palavra filosofia.
O estagirita (Aristóteles), subdividiu o saber filosófico em: lógica, física,
metafísica e ética.
A lógica, na
época de Aristóteles, era a parte da filosofia que estudava os meios de
adquirir o conhecimento, os métodos do pensamento humano para chegar a conhecer
ou as diversas maneiras de que se vale para alcançar o conhecimento do ser das
coisas.
A física
designava a segunda parte da filosofia, sendo o conjunto de nosso saber acerca
de todas as coisas, fossem quais fossem. Todas as coisas, e a alma humana entre
elas, estavam dentro da física. Por isso, a psicologia, para Aristóteles,
formava parte da física, e a física, por sua vez, era a segunda parte da
filosofia.
A metafísica,
que tinha esse nome por vir “além da física”, é a ramificação da filosofia que
estuda o ente, ou seja, o ser das coisas. Mais especificamente, estuda a
essência de todos os seres existentes (ou seja, o que faz um ser ser este ser e
não ser outro ser) e seus caracteres comuns, ou seja, a bondade, a verdade, a
beleza e a unidade. Chamamos a metafísica de “filosofia pura”, que muito nos
ajudará em nossa disciplina.
A ética era o
nome geral com que se designava na Grécia, na época de Aristóteles, todos os
nossos conhecimentos acerca das atividades do homem; o que o homem é; o que o
homem produz, que não está na natureza, que não forma parte da física, mas
antes é feito pelo homem. O homem, por exemplo, faz o Estado, vai à guerra, tem
família, é músico, poeta, pintor, escultor, advogado, administrador. Pois tudo
isso compreendia Aristóteles sob o nome de ética, uma de cujas subpartes era a
política.
Na Idade Média que, longe de ser a “idade
das trevas” foi a época em que o pensamento e as ciências começaram a se
desenvolver, o conceito de filosofia permanece o mesmo, sendo iluminada pelo
pensamento teológico. O saber humano, durante a Idade Média, dividiu-se em dois
grandes setores: teologia e filosofia. A teologia são os conhecimentos acerca
de Deus e a filosofia os conhecimentos humanos acerca das coisas da Natureza, e
até mesmo de Deus, por via racional.
Este
raciocínio adentrou o século XVII. Assim, o livro em que Isaac Newton expõe a
teoria da gravitação universal chama-se “Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica”, ou seja, Princípios matemáticos da
filosofia natural. Em síntese, a palavra filosofia, significava o mesmo que na
Idade Média, ou seja, a ciência total das coisas.
Ainda hoje, na
Alemanha, há as Faculdades de Filosofia, que estudam a química, a física, as
matemáticas, a ética, a psicologia, a metafísica, a ontologia.
Na Idade Moderna, o imenso campo da
filosofia começa a se repartir, com o surgimento das “ciências particulares”.
Estas, não apenas têm seu método próprio, ou objeto e progressos próprios, como
também seus cultivadores vão igualmente se especializando. Descartes (1596-1650),
ao mesmo tempo é filósofo, matemático e físico. Leibniz (1646-1716), também. De
ambos, porém, já se pode dizer o mesmo de Aristóteles: o filósofo. Contudo, já
Kant (1724-1804) talvez não soubesse toda a matemática de seu tempo, nem a
totalidade dos conhecimentos físicos ou biológicos.
A partir do
século XVIII, não resta nenhum espírito humano capaz de conter numa só unidade
a enciclopédia do saber humano, deixando a filosofia de ser a “enciclopédia” do
saber.
Então, o que
é a filosofia?
Diante das peripécias
da história, voltamos, na Idade
Contemporânea ao conceito primordial de filosofia: a ciência que estuda
todas as coisas, haja vista a possibilidade de todas as ciências serem
iluminadas pela filosofia, como no caso do Direito ou da Contabilidade.
A essência (o
que faz um ente ser este e não outro) de todos os seres – de Deus ao micróbio –
é objeto de estudo da filosofia que, com sua busca pela “causa primeira”, dá as
explicações necessárias para se chegar a conclusões “espantosas”, como veremos
nesta disciplina.
A
filosofia é amor à sabedoria, razão que a faz próxima de todos os seres e de
todas as ciências. A filosofia é uma ciência necessária para entender a
história, as ciências positivas, a arte, a religião, a política, a moral, o
direito, a realidade toda e, em especial, o problema da vida, que pede uma
solução racional.
É ciência,
porque é conhecimento das coisas pelas suas causas, que são as razões das
coisas; é ciência pelas causas primeiras, porque, para explicar plenamente a
realidade, deve-se transcender a experiência e chegar até as causas primeiras
das coisas; resolve o problema da vida, porque unicamente à filosofia, como ciência
das causas primeiras, dá a indicação do fim último do homem, a que ficam
subordinados todos os outros fins.
Pode-se, neste
momento, explanar que três são os problemas básicos da filosofia: o problema gnosiológico,
ou seja, do conhecimento, visto ser necessário certificarmo-nos de nossas
capacidades cognoscitivas, antes de proceder à exploração do ser, e
especialmente à exploração filosófica do ser; o problema metafísico, cuja solução
consiste na penetração integral deste mesmo ser em suas distinções fundamentais
(Deus, alma, mundo); o problema moral, da vida, que se resolve com
base na metafísica, reveladora da essência última da realidade.
Quanto ao método,
podemos dizer que é indutivo, ou seja, parte da experiência, como todo saber
humano. Mas, a filosofia não é um conhecimento meramente empírico. Enquanto as
outras ciências se restringem ao âmbito da experiência (às causas segundas), a
filosofia transcende-o (até às causas primeiras), para explicar inteiramente a
experiência/realidade.
A atitude filosófica
Se
a coisas que nos cercam fossem perfeitamente previsíveis, se o mundo dos outros
e o nosso mundo, o universo na sua indefinível vastidão fosse realidades “expostas”
sem o poder de despertar surpresa em nós, a filosofia jamais teria nascido, nem
o pensar e, consequentemente, a descoberta do problema, a vontade de pesquisar,
as tentativas de solução, o próprio mundo da cultura e da história humana.
Para
nós, o “fato dado” não são suficientes. Não basta que se manifeste como “algo
feito” e como “algo dado”, se continua no ar a questão do seu porquê, por que
assim e por quem, ou por que foi feito assim, e não daquela forma?
Se
tudo se apresentasse tal como é, sem causar espanto, tudo
permaneceria na sua inabalável fixidez original, como acontece, aliás, com o
mundo animal e vegetal (jamais um animal será “filósofo”). Esta mesma realidade,
contudo, lança perguntas ao homem às quais ele tem procurado dar uma resposta.
Na
sua obra Metafísica, Aristóteles
afirmou que “os homens começam e sempre
começaram a filosofar movidos pela admiração”. E Platão, no Teeteto, asseverou que “a admiração é a verdadeira característica do
filósofo. Não tem outra origem a filosofia”. Mesmo que o cotidiano insista
em sufocar o filósofo que há em nós (e não devemos permitir isso!), o “assombro”
que sentimos perante a grandeza de tudo o que há faz com que nos perguntemos: o
que é a realidade em si mesma? O que há por trás daquilo que vejo, ouço e toco?
O que é o espaço? O que é tempo? Se o que aconteceu há um segundo atrás já é
passado, será que o presente não é uma ilusão? Será que tudo o que acontece é
sempre antecedido por causas? O que é a felicidade? Como alcançá-la? O que é a
liberdade? O que é o certo e o errado?
E,
as perguntas mais fascinantes: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou?
Tais
questionamentos são tipicamente filosóficos e refletem algo que chamamos de atitude
filosófica perante o mundo e perante nós mesmos. Por serem óbvias (mas,
não tanto) algumas dessas perguntas são descartadas e muitos sequer param para
tentar solucioná-las.
O senso comum
não colocaria em questão máximas como “matar é errado”, “a liberdade de
expressão é um valor indispensável”, “sou livre”. Contudo, a atitude filosófica
não reconhece limites à investigação, de modo que o filósofo sempre se
questionará: sou livre?
E sempre se
submeterá ao exame crítico, racional e argumentativo, de modo que nossa adesão
seja sempre fruto da consciência. Ou seja, a proposta da filosofia é a de que
nossas decisões e conclusões sejam sustentados de maneira crítica e refletida.
É a atitude
filosófica uma espécie de habilidade ou capacidade de se admirar com as coisas.
Ter uma atitude
filosófica é possuir um olhar crítico sobre a realidade. É questionar o
inquestionável. É trazer à reflexão o que já foi estabelecido no senso comum e
isso é o primeiro passo para a compreensão do caos do mundo.
A decisão de não aceitar como
óbvias e evidentes as ideias, os fatos, os valores, os comportamentos de nossa
existência cotidiana é próprio da filosofia. Jamais aceitar algo, sem antes
estudá-lo e compreendê-lo.
Segundo Sócrates, a primeira e
fundamental verdade filosófica é dizer “só sei que nada sei”. Neste sentido, a
filosofia nasce de uma situação de tensão e questionamento.
Consciência é uma
característica do ser humano, que o permite estar no mundo com algum saber, por
isso, a biologia classifica o homem atual como sapiens (o ser que sabe que
sabe). O animal, porém, não tem a consciência de que sabe. Do contrário,
estaria apenas disputando territórios conosco, por exemplo.
O escritor alemão Wolfgang
Goethe (1749-1832) dizia que “o homem só conhece o mundo dentro de si se toma
consciência de si mesmo dentro do mundo”. Assim, o desenvolvimento da
conscientização humana depende da superação do isolamento e do alheamento.
O pai da filosofia moderna, Descartes,
já citado acima, dizia que a essência do homem é pensar, em que o pensamento
faz a grandeza ou a pequenez do homem. Assim, é preciso fugir do senso comum -
uma série de crenças admitidas por um determinado grupo social e que seus membros
acreditam serem compartilhadas por todos os homens.
Muitas dessas concepções do
senso comum de um povo ou de uma classe social se transformam em frases feitas
ou em ditados populares, como por exemplo: “Homem que é homem não chora”;
“lugar de mulher é na cozinha”; “filho de peixe, peixinho é”.
Alguns desses exemplos de sabedoria
popular podem esconder ideias falsas, parciais ou preconceituosas. O povo
aceita, repete e defende determinada ideia, mas não sabe explicá-la. Trata-se,
portanto, de um conhecimento adquirido sem uma base crítica, precisa, coerente.
Uma ilustração
da atitude filosófica nos é dada por Platão, em uma de suas alegorias, chamada “Mito
da Caverna”. Vejamos o vídeo:
O quadro
abaixo nos dá uma ideia das características da atitude filosófica:
CARACTERÍSTICAS DA ATITUDE FILOSÓFICA
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O USO CRÍTICO DA RAZÃO
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A ATITUDE PROBLEMATIZANTE
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A AUTONOMIA
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A NECESSIDADE DE COMPREENDER AS
QUESTÕES MAIS FUNDAMENTAIS DA EXPERIÊNCIA HUMANA
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Para a filosofia, as nossas
crenças e opiniões não podem ser aceitas sem justificação. Temos de as
defender com argumentos.
Argumentos com os quais não
estejamos de acordo devem ser refutados com contra – argumentos e nunca com
um simples “não”.
Ao interrogar as nossas crenças mais fundamentais,
a filosofia pretende que pensemos se não estamos errados, não para nos
desiludir, mas para que procuremos ter uma compreensão mais alargada do mundo
e de nós mesmos.
|
A filosofia transforma as
nossas crenças em problemas, ou seja, coloca a questão “será isso verdade?” “Há
boas razões para acreditar que isso seja verdade?”. O que parece evidente e
bem estabelecido é para ser discutido.
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Como dizia Kant, filosofar é
ousar pensar por si. A atitude filosófica é incompatível com a dependência em
relação a gurus ou orientadores espirituais e ao que a maioria julga ser a
verdade.
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Ao transformar algumas das
nossas crenças em problemas, a filosofia pretende que olhemos para o mundo
como se fosse a primeira vez que o encontrássemos. Assim, o conjunto de
crenças estabelecidas a que nos habituamos, que nos dava segurança e
orientação no mundo, é questionado. Reencontramos deste modo as questões mais
profundas e misteriosas da nossa existência.
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Especificidade da Filosofia
Do
que se disse até então, já se pode concluir que a filosofia ocupa um lugar específico
no rol das ciências, haja vista a especificidade do seu método e do seu objeto.
Senão, vejamos.
Descartes,
de quem já falamos nesta aula, faz da intuição o método primordial de sua
filosofia, método que floresce e impera entre os filósofos modernos (e deita
raízes na filosofia antiga). Assim, os idealistas alemães (Fichte, Schelling,
Hegel, Schopenhauer) e diversas escolas filosóficas. Necessário, porém, é
entendermos o que é a intuição, em que a intuição consiste.
Em
primeiro lugar, a intuição se nos oferece como um meio de chegar ao
conhecimento de algo, e se contrapõe ao conhecimento discursivo. Este tipo de
conhecimento – o discursivo, ou dedutivo – chega ao fim proposto mediante uma
série de esforços sucessivos que consistem em ir fixando teses que logo serão
contraditas, melhoradas, subtraídas por outras novas teses. É um método
indireto, foi chega ao objeto do conhecimento depois de muitos rodeios.
O
método intuitivo ou indutivo é exatamente o contrário!
A
intuição ou indução consiste num único ato da inteligência que, de repente,
lança-se sobre o objeto, apreende-o, fixa-o, determina-o com uma só visão da
alma. Por isso a palavra “intuição” tem relação com a palavra “intuir” que, em
latim, significa “ver” (diferente de “videre”, que é enxergar com os olhos). A
intuição é “ver com os olhos interiores”, ou seja, é contemplar.
Em
simples palavras: a intuição, método da filosofia, vai diretamente ao objeto. Por
ela, obtém-se um conhecimento imediato, não mediato.
Daí,
falar-se em intuição sensível, numa comunicação direta entre
a pessoa e o objeto, ou seja, quando, com um só olhar físico, contempla-se um
copo, uma mesa, uma paisagem; a intuição espiritual, quando aplicamos nossa
inteligência a pensar sobre determinado objeto que não é sensível (por exemplo,
que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo, que o azul não é
vermelho...) e a intuição intelectual, que é a intuição
filosófica.
A
intuição intelectual é um esforço para captar diretamente, mediante um ato da
inteligência, a essência, ou seja, aquilo que o objeto é.
E isto se dá
mediante a abstração, que é a atividade intelectual primordial do
filósofo. Abstrair significa separar do objeto sensível o seu
conceito. Assim, quando contemplávamos a primeira “caneta” com que tivemos
contato em nossa vida, fizemos a abstração, ou seja, a separação do conceito
daquela caneta concreta, que nem sabemos mais onde está. Contudo, o conceito
está em nossa razão, como uma ideia, que, nada mais é que a essência daquela
caneta.
Este
é o método da filosofia: o método intuitivo ou indutivo intelectual, ou
seja, aquele que nos permite, com um único lance da razão, abstrair dos seres
diversos a sua essência.
E o objeto
da filosofia? Todos os seres podem ser postos à luz da intuição, desde Deus, de
quem se ocupa a metafísica, no capítulo específico chamado “teodiceia”, até o
micróbio que passeia por debaixo dos nossos sapatos. Todos os seres e toda a
realidade (os eventos da vida, ou fenômenos) podem ser objeto da filosofia que,
sobre eles, lança sua luz.
Sintetizando:
a filosofia é uma ciência, pois tem seu método (o indutivo) e seu objeto (toda
a realidade), do que se deduz ser a filosofia um saber completo e
complementador de outras disciplinas, como o direito, a teologia, a biologia, a
enfermagem, ou a administração.
Nesta
disciplina, em que se dá enfoque à filosofia voltada para a Ciência Jurídica e
para as Ciências Contábeis (objetos da filosofia), faremos permanentemente o exercício
da intuição, ou seja, procuraremos lançar nossas faculdades intelectuais para
abstrair o que, de fato, são nossas áreas de atuação.
Os grandes temas da filosofia
Dissemos
acima que objeto da filosofia é toda a realidade. Contudo, este conhecimento é
sistemático, de tal forma que pode a filosofia dividir-se em duas grandes áreas,
duas grandes ciências: a ontologia (ou o estudo do ser,
também chamado de “ente”) e a gnosiologia (o estudo de como o ente
pode ser conhecido).
Na
ontologia, estuda-se os objetos, todos os objetos, qualquer objeto corpóreo ou
não, real ou ideal. Na gnosiologia, estuda-se o conhecimento, ou a forma como
se dá o conhecimento destes objetos.
Atente-se para
o fato de que as disciplinas filosóficas já mencionadas nesta aula (ética,
estética, filosofia da religiosa, da psicologia, do direito, da história, da
linguagem, da ciência etc.), tendem a “afunilar”, ou particularizar os campos
da filosofia. Assim, na filosofia do direito, por exemplo, vamos estar não
apenas a forma como se dá o conhecimento do direito (gnosiologia), bem como o próprio
ser do direito (ontologia), a partir de questionamentos tais como “o que é o direito? é possível conhecer o
direito?”
Passando de
relance a história da filosofia vamos abordar os mais variados assuntos que
ocuparam filósofos desde a antiguidade clássica (como o problema da origem do
mundo, do homem e o problema de Deus), passando pela filosofia patrística (como
o problema da liberdade e do livre-arbítrio), medieval (como a centralidade do
homem no universo e sua dependência com relação a Deus), até chegar na
filosofia moderna e contemporânea, em que problemas já refletidos pelos
filósofos do passado voltam à tona, para responder a questões atuais, como
aborto, clonagem, honestidade etc.
Para concluir esta aula, vejamos esta interpretação do Mito da Caverna (pela filósofa Viviane Mozé, apresentada no Fantástico) e tiremos nossas conclusões:
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